sábado, dezembro 24, 2005

I Wish You a Good Trip

Numa Rua que desce para a Praça da República, mora há uns anos um grafiti numa esquina redonda de uma casa amarela, na cortada para a Judite. Tem um pinheirinho de Natal facilmente confundível com uma plantinha de boi e por baixo, em cursivo elegante, I Whish You a Good Trip. Durante o resto do ano, é só mais uma parede mal cuidada; nestes dias, tem sido um belo cartão de Boas Festas. Permitam-me repetir, escassos leitores, desta vez em votos para 2006: I wish you a good trip.

sábado, dezembro 17, 2005

Ao Mundo

Pelo sentido único
Palmilhado a palmas, mãos no chão
Sigo, inevitávelmente sigo
Em frente

E a carta que levo
Como cifra ou chave ou nada
Pesa, um peso leve de destino e ida
Caminho decorrente não corrido
Percorrido em lanço
De uma escada obvia

Ambiciono a derradeira letra
De um alfabeto de provir e lastro
Uma língua de palavra incontida
Toda simples, toda bela, toda carne
Um mastro

Nesse mastro um pavilhão pirata
De quem tira das palavras alimento
E ouvi-las é já saque e provimento
Do poema enquanto arte
De um todo que se parte

Eis a estrada metaforicamente estreita
Do articulador de versos
A fala
Eis um jardim de Cândido
No melhor dos mundos possível

E penso na enchada a pena
Num plantar de sentidos vegetais
E sou então cultor
Em papel de frases banais
No papel dos meus dias normais

Hoje, era uma hora e o sol pintava
sobre mim as cores deste Outono velho
Peguei num guardanapo no café
E comecei este poema sobre vias

Acabo agora, sendo certo
Que poemas viajam dentro de mim
Sem sossego tricoto estrofes na memória
E quando enfim saí, saí assim

Aldeia lacustre esta minha escrita
laboriosamente estacada beira-lago
Vivendo da rede que intermitente lanço
Ao Mundo.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Porto

Dado o salto sobre o precipício da alma
Num arco de gazela parabólico
A Arrábida convida-me sobre ela
E o céu é rosa, oiro, azul

Rente ao Doiro, serpenteando ligeiramente bêbado
Embriaga-me este Porto sempre novo
Vintage regando o coração inquieto
Minha alma que balança entre dois pólos

Gosto daqui um gosto velho
Do cinza do granito da luz velada
Mas com sol, com este sol
Parece-me ainda mais gosto o gosto antigo

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Pode a besta dar lições à bela?

E quatro dias de nada
Nem hora nem espaço
Coordenada para mim
Só a medida do abraço

Desprovida de música
A valsa dos amantes
Desejo de mais
Crença no antes

Assim como a ponte
Com que enfeitam meu rio
Medida vai ser a pé
Rio corrido a pé

( Antes no Choupal
Também havia um vau,
E chegado ao outro lado
Escorria por nós uma
Espécie de vitoria
Liquida )

Mondego de noites negras
Coimbra desprovida de estrelas
Na margem que te relvaram
Correm meus olhos
Atrás de outra maneira de ver

Pode a besta dar lições à bela?
Ou a memória alicerce do sonho
Está tão pesada de desejo
Que esqueceu onde nasceu?

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Mais de Metade é Muito

Mais de metade é muito
Sendo eu nunca o inteiro
Menos de tudo já basta
Sendo nós tudo o que resta

Fados e rodriguinhos largam a pena
Numa elegia a amores presentes
E lembro Borges cantado por Caetano
E tango contigo tango comigo

E queria escrever num surrealismo palpitante
As estórias de nós de ti d’instante
E queria ser da música fiel costureirinha
Para bordar a sangue e prata abraço e sol

Não não deixa a minha alma métrica
Descoser o meu verso em aresta viva
Só escrevo a redonda onda silábica
Certinha como pupilo do exército
Em pátio quadrangular disciplinado

Arre! E cheiro Almada neste Arre!
Morra Dantas, Pim! E que Dantas tenho eu?
A chibata jaz no sangue seco, pobre tempo até de bestas
Torturo-me a mim, e não sem gozo
Masoquista espremo versos ao talento nulo

E se?
Nestas linhas de verso sonho a inversão da linha
E olhando o céu felizmente azul, sei estrelas, e mais céu
Felizmente negro
E tu, stella mia, onde te encaixas nesta guerra de mim contra o poema?
Ah! Musa, se tu cá faltasses, não havia olhos quanto mais poesia!
Assim, repito há falta de melhor

Mais de metade é muito
Porque pouco sou eu só
E o verso de dolor fortuito
Não chega, não basta, é pó

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Feliz por Omissão

Eu, a mulher e o cão na língua de areia, na fímbria do mar, cinza, como os prédios feios nas costas. A maré descendente, de traiçoeira vaga, a encaracolar para trás, como um gancho de pirata. Vento frio, carregado de sal e humidade. Sábado, fim de tarde, fim de sol, fim de semana. Dentro do casaco de coiro forrado, mãos de luvas enterradas nos bolsos, pés molhados e húmidos, enumero razões para sentir-me mal. Não encontro nenhuma. Ando feliz por omissão.