sexta-feira, janeiro 27, 2006

Mozart 100 Verdi

Ia falar de Mozart e de Verdi, nascido um morto outro, nesta mesma data. A chamada coincidência Cósmica. Verifiquei que é o meu 100º. Post. Difíceis de comparar? Olha, já que o nº. é redondo, festejemo-los. E porque não em peças de estrutura igual: Os Requiens. Parece estranho festejar com Requiens, hoje, mas era como se fazia então. Encomendavam-se Requiens para celebrar, não a morte, mas a passagem para Deus no Céu e Glória em Terra. Lá estão, provavelmente em sectores diferente, Deus não há-de querer os músicos todos encafuados a um canto a discutir colcheias, nem no centro a dar um infernal concerto da famigerada Filarmónica do Lá. Aqui onde estou tenho o de Verdi, em dois cd bonitos, em casa o Mozart, dentro de um daqueles livrinhos meio pífios mas que em meia dúzia de páginas dão toda a informação necessária, ou meio de a obter. Neste momento estou a ouvir o Dies Irae. E olhem que o Sr. parece mesmo chateado. Eu não, gosto dos dois. E já agora, blog que me carregas, parabéns pela data. Quando chegar a casa abro o livro e vou ouvir o Confutatis.

quarta-feira, janeiro 25, 2006

No Comprido do Caminho

Sinto à minha frente a pausa
E não quero lá chegar
Mas o tempo que escolhi
Esgota-se no passo breve, na falta de fôlego

É, o tempo é de pausa
De espaço entre parênteses
De respirar e olhar horizontes
Não familiares

É, talvez não tenha escolhido a duração
Mas ela é
E é curta
E vejo-lhe o fim

Em tempos detive-me
Entre análise e síntese
E escolhi a síntese
Como mais bonita

Faz-me falta agora o tempo
Em que em vez de olhar Mundo
Procurei receitas para o melhorar
Não se sonham futuros sem leitos de passado

Alicerce, a análise
E o eu sintético por necessidade estética
Vejo-me agora vazio dos dados
Que sempre lancei e nunca recolhi

Da estética à estática
Interferido quieto
Com a pausa por horizonte
E não querendo chegar

Sempre me achei dono de mim
Embora sempre me tenha sabido
Parte de tudo e capaz de nada
Sempre achei que não pesava

Agora sei mais do que sabia
Agora tenho mais do que tinha
Só perdi no comprido do caminho
O desejo de permanecer sozinho

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Pintaria

Na corrente eléctrica de meus nervos
Flui por vezes a raiva surda de saber mudar e não poder
As minhas mãos cerram a vista fica escura
O coração acelera em via lenta transgressor

No livro que me deram para aprender a Vida faltavam páginas
E eu escrevi algumas com o meu lápis rombo
Com a minha caneta que soltava borrões
E o tempo e a vista escassa não me deixam hoje lê-las
A última página deixei ao tempo preenche-la
Mas não me ligou, ocupado em fazer girar a vida
Sem tempo de anotar prefácios quanto mais conclusões
Sem saber de mim quanto mais por mim

Sei do mal que é mal quando lhe vejo a cara
Sei das tristezas que largam cicatrizes compridas
Tão compridas que levam vidas a lê-las os tristes
Sei de mim que a fortaleza das convicções não tem portões
E meu exército de justos jaz cerrado
Dentro muralhas sem nunca batalhar

Pintaria na parede o grito escuso
Dos que pedem mas não sabem receber
Levaria guerreira a alma para a luta
Mas sei que lutaria para perder

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Da carta, suas variantes, do amor cortês e do futuro

A propósito de cartas lembrei-me de papel de carta. Agora já não há. É tudo normalizado pelo omnipresente A4 folha branca processada no omnipresente Times New Roman tudo pronto com envelope de janela, meu deus cartas e janelas fazem-me lembrar namoros à antiga quando damas debruçadas nos balcões namoriscavam valetes de lindos bigodes mas isso já era nas cartas de papel e é uma outra estória. É um mistério, o papel da carta. Dizem que uma boa mão pode ser muito, mas um bom jogador é tudo. Eu não sei nunca estive muito interessado em ganhar, e nem sequer no desporto, o que eu queria era achar-me para lá do jogo, num sítio sem memória do jogo, um paraíso terreal onde estivesse ausente a escolha e se pudesse escrever cartas em papéis etéreos e jogar todos os papeis onde se quisesse e onde reciclar fosse desnecessário e desperdiçar fosse belo como pérolas a porcos e pais nossos a vigários. Plaquinhas de barro antecederam tabuinhas de cera antecederam pergaminho antecederam papel e aqui acaba a história da carta. Agora já não há papel, e nas magras finanças procuramos desesperados as vacas gordas sonhadas pelo atravessador de rios mas as pontes são poucas e todas com peagem e do outro lado não sabemos o que há por isso vamos ficando, como árvore velha a que cortaram os ramos, como suspiro de um ai longínquo. Cartas. Papeis. Pontes. Permanência. Caminho. Damas e bigodes, olhares trocados como se houvesse preço que pagasse uma memória não tida. Nem ida, nem achada. Tudo isto pelo papel das cartas, ou o papel de carta, ou as cartas de papel. A vantagem da textura é que é palpável, da tessitura também. A vantagem do papel continua a ser a memória que temos do sem ele. O escudo do papel ( e agora que já não há escudos de papel ) é a estrutura celulósica da recordação humana. Papel é vida destilada. A carta-mapa do ir além, mais.

Sob a neblina

O meu rio corre para trás
Sob a neblina
Como menino que viu fechada
A porta da sala
Onde não era suposto entrar

Uma piscina
Sob a neblina gélida
Meu rio hoje és verde
Meu rio és cinza

Lembro-te castanho
Com milhares de laranjas a boiar
A desaguar na Figueira
Meu rio de duas frutas
E de todas as cores

Ao fundo a ponte nova sobre o dorso
Lira de aço concreta
Tocável
Esta aqui ainda mais nova
Quebrada ainda
Lembra-me tudo o que resta unir

Viro-me e vejo uma nova torre e pala
A ousar desafiar a velha Torre e Paço
E acredito que se na minha Cidade
Ainda alguém ergue Torres ao desafio
Talvez, meu Mondeguito
Valha a pena olhar para ti
Sob a fria neblina

Enormidade Urbana

Sexta-feira tive a noção da gigantesca dimensão da Cidade de Aveiro. O autocarro nº. 1 tem por nome "Sol Posto"; o nº. 2 será forçosamente " Para Lá do Sol Posto". É grande!

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Medo

Medo
Esse grande astronauta de luares
Sinónimo em todos os lugares
Do fim do Eu
Do arrepio
Do fio
De navalha eterna

E então o medo difuso
Em parafuso
Medo sólido e bruto sem motivo ou razão
Só sensação
De medo
Sem alvo ou substância
Só ânsia
Só medo

Na insegurança do primeiro passo
No temor do primeiro beijo
No desespero do primeiro amor
Do desconsolo da primeira perda

Forra intestino a escolha
Arma e solidifica a verdade
Mas alastra às vezes sem controlo
O medo tolo
De tudo e nada

E nada o para
Quando ele se instala
O tudo medo e o medo nada

terça-feira, janeiro 10, 2006

Estação de Aveiro

No intermédio da viagem
Travessia entre comboios
Ponte paradoxo
Ligas dois pontos sólidos
Móvel por uso orgânico

A Estação de Aveiro, sólida
Move-me entre dois pontos móveis
Sarabanda, não fosse linear
Descer escada subir escada
Esperar

Salto entre dois trens
E sigo imóvel
Ocupo a estação e sou imóvel
Comboio após comboio circulado
Não é redonda a viagem
Elíptica, curva e devaneio

Um meio de transporte
A espera

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Miguel

Na cervejaria, entro a fumar a cigarrilha. Lembro-me de ti, tantos anos, a sair de lá inflamado a triturar um Mercator – Miguel. A esquizofrenia levou-o. Não sei de voltará. A barba de Guevara, apenas loira; o discurso lógico, claro e brilhante; os pressupostos alucinados. E falámos de Cristo, da Fé e da Igreja, do Vale dos Caídos, Salazar e Franco; e falamos ( ainda havia muro, Miguel ) da guerra fria, Estaline, capitalismo e do primado da Lei, e existia sempre em ti o implacável edifício lógico, o silogismo mecânico, a estrutura racional de um homem brilhante. Mas vazio, oco, habitado de alucinação, desconexo e coxo. Queria viver a vida na Lei e pela Lei. A química, que o tornou Homem, colocou-o fora da Vida. Tenho saudades de te ver receber dezanoves triste de não serem vintes.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Dois Sonetos

I
De repente solta a língua
A frase breve, o lampejo
No instante do desejo
Mão vazia, alma à mingua

Ter mais do quê
Se nada tenho
De onde venho
Já ninguém vê

Rezo já não a Deus mas a mim
O milagre pertinaz, um brilho novo
Tirar do peito leão, ser sim

Encolho os ombros, gesto coevo
Marca d’água da terra donde vim
E sei que não sou mais que ovo

II

A distante hora que vi luz
Marcou-me a retina verde
Tenho olhos de quem perde
De mim sempre para nós

Mais era o meu mote
Mais de tudo, mais de nada
Havia razões de muda
Mas meu navio era bote

Plantado numa beira-mar escassa
Sou duna mar e céu e este é cinza
A vontade de ir morreu

Erguido ao vento gélido sou eu
O fruto destas raízes é meu
Monumento singular à tristeza

domingo, janeiro 01, 2006

O Gesto Retalhado

A fazer da palavra ferramenta
De uma nau não de madeira mas de nuvem
Aspirando ao Oceano Novo
Mar não marcado de outras rotas

Eis trabalho e festa, grito e canto
Num borbulhar de ideias e rumos
Vou já no que construo, eu sou fim
A viagem começou antes de mim

No continuar dos dias nasce tudo
Plantado ou não, não sei nem quero
Das minhas mãos saem frutos
Isso eu sei

Minha nau vai rever mundo
Bastando tempo mais vontade
Vai rasgar onda sem ser corte
Saltar a vaga sem ser Norte

Vai e sou o que construo
Minha voz modulada pelo esforço
De criar no continuado verso
Uma barca aparelhada de futuro

Que se trata de minha mão
E do gesto retalhado de criar
Sou e faço
E dá-me a impressão que é tudo