domingo, março 30, 2008

Islabela

A minha mulher é transoceânica. Bem, meio oceano. Mas sendo dois, o par, meio mais meio dá o oceano inteiro. Porque ela gosta de mim na exacta proporção que eu gosto dela. Meio por meio dá amor inteiro. Bom, o amor inteiro. Mas longe, o meio oceano.

Fui ter com ela um dia destes. Saltei à ilha. Bela ilha. Sempre mar e vacas. E erva, não relva. As pequenas lições da vida ou como o porco pode simbolizar o outro, ou algo assim.

A minha mulher é do tamanho do abraço. E é bom o abraço. A minha mulher é a exacta proporção do meu peito. Um homem não é uma ilha. Mas há belas ilhas. E belas mulheres. E amores inteiros.

terça-feira, março 11, 2008

Buda

O compasso dos meus olhos
Traça o semicírculo entre o negro e o verde
E depois faço
A cara nova da paisagem

A estátua nova de um Buda
A dormir entre os granitos velhos
E a luz de uma vela velha
A velar por sonhos novos

E lembro
Porque é fácil lembrar
E bom
A estrada que aqui chegou

E o colo que me carregou

sábado, março 08, 2008

A Casa dos Dois Corações Azuis

Moro na casa dos dois corações azuis. Por cima da varanda ( uma pedra de granito com dois por um ) um vitral multicolorido, centrado por dois corações de vidro de um azul denso, que o tempo, paradoxal como sempre, teima em não esmaecer. Ouço Mäler, a 1ª., e sinto-me um Titã. Daqueles que moravam por cá antes de haver Homens. Não primitivo; primevo. Selvagem pré-selva e, obviamente, Civilização.

Um óbvio surrealismo tinge-me a realidade, e um Reguengos, reserva de 2004, a língua. E, como a transcrevo, o pigmento esborrata-me a escrita. A escrita desfocada.

As matizes de escrever são preto-e-branco. Mesmo assim difusas, espalhadas. A beleza de criar a palavra. Não que seja necessário, ou urgente, a palavra. Ela É, já Mestre Platão o dizia claramente. As ideias claras e puras; como quem diz; a palavra.

A palavra é um cacho de uvas ou um par de seios. Ninho de néctares. Berço, não no sentido de conter origem, mas de permitir futuro. Ai a amplidão da vontade. O abraço que dou ao horizonte, não corresponde, na medida dos afectos, à dimensão física ( cronológica ? ) do horizonte. Mede-se em paixão. No amor corrente, no desejo, por que não? ardente. Ai a medida de mim vertida em beijos!

Interlúdio Romântico
( porque o meu blog-gémeo há muito que me pilha )

Cesariny

Quando morre um surrealista o mundo fica mais surrealista. A televisão mostra imagens desconexas feitas para serem desconexas e procura-lhes uma conexão que caiba no soundbite. Cesariny foi a enterrar sem presidente da câmara e sem sequer um ministro. Foi de ajudante. E o sr. presidente fez-se esperar um quarto de hora; cadáver à chuva. Bela tela. Confesso que não gostava dele. Daquelas coisas há pessoas que nos enfadam. O pouco que vi dele na exposição dos surrealistas no Chiado era pobre em comparação com o magnifico Vespeira, por exemplo. Do que escreveu li pouco, e não lembro. Agora a atitude colorida no Portugal cinzento nem Almada nos anos dez a levar Lisboa para o futuro à biqueirada se preciso for. Disse não e disse não até poder. Vi-o receber uma faixa no cadeirão da sala, há pouco tempo, como a dizer querem encomendar-me, venham cá a casa. Eu aceito. Buscar não vou. Não posso. Custa-me. Nem sou boby. O Surrealismo chamou Arte ao Sonho. E da serenidade de Magritte ao olho cortado de Dali e Buñuel, abrigou em si todas as revoltas e todas as vitórias de um século. Poucas vezes um movimento causou tanto movimento. E no proibido proibir de 68, e nos alucinados cravos de 74 andava um Cesariny a assobiar zarzuelas. Feliz. Morreu de velho e sabia que o mundo estava melhor do que quando era novo. Mais um cadáver esquisito.
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( por acaso este é inédito, mas não faz mal )
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Adenda Única
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"A Psicologia das plantas encontra-se nos livros de culinária, no capítulo das saladas" Anónimo, Min. Agrc. séc. XII