quarta-feira, agosto 17, 2005

Da Liberdade, do Chocolate, da Metafísica, ou A Relatividade Segundo Schubert

Nestas tardes vareiras em que nada faço senão esperar o fim do dia compondo os meus versos neste teclado quase pianístico só me salva a música. Auscultadores amigos companheiros camaradas desta luta contra o diktact do relógio, os sons forram-me o coração de pequenas coragens, de pequenos choros, de pequenas alegrias. Assim passo as horas vazias, às vezes lembro-me de ti, às vezes as cartas dão-me parceiros imaginários ainda que virtualmente reais, às vezes olho o tecto e nada faço, fumando cigarros como quem medita.
Hoje tem-me mantido companhia Schubert, é lindo o seu octeto e assim passam mais horas e eu fico mais perto de sair daqui desta mansarda. E penso Pessoa e meninas e chocolates sem nenhuma, mas nenhuma metafísica, e de como ele não podia como eu partilhar a companhia de génios enquanto burilava os seus versos, onde teria ele chegado com um Pc e auscultadores. Daqui parto para a admiração de mim e estrago tudo, mesmo tudo, porque eu li a Tabacaria e sei que Pessoa é um génio do tamanho de Schubert e eu não tenho ninguém para me compor.
E assim descomposto sei que sozinho vou ficar, sempre como é obvio na companhia de génios que coleciono para ver se é contagioso que o que eu quero mesmo é que sejam cinco horas. Que o que eu quero mesmo é ser um génio póstumo que dê para ouvir em auscultadores e consultar em Pc's mas não agora que a minha vida é muito confortável. Só me incomoda esta dependência do ponto, este absurdo de vida laboral em ponto morto e às vezes queria mudar ao menos virtualmente e comer chocolates com metafísica ou uma truta em Viena.
Segue este octeto em seis partes como a minha mãe pariu seis filhos e eu sei que tenho o meu lugar e gosto dele só que às vezes são estreitas as paredes e pequenas as portas e eu queria como naqueles versos mais ar mais luz mais vida. Luz, quero luz, dizia o Chico e eu também sou assim a modos que obscurecido, como se aos meus olhos só se chegassem sombras. Sei o que sou e por enquanto isso basta-me, não sei é o que serei, e isso angustia-me, encolhe-me e inibe-me.
São três e meia e vou parar de Schubertear. Virei-me para o Tango, que se me humedecem os olhos do fumo dos cigarros e Tango é noite, cabarés e fémeas admiráveis. Já estive em Buenos Aires na década de vinte, levou-me lá o Pratt e eu gostei. Tinha uma banda sonora mas perdi-a, mas não faz mal, as saudades que tenho dela soam-me também muito bem. Também já consumi Gardel às carradas e as suas colondrinas ainda me esvoçam no coração. Mi Buenos Aires Querido. Este, Astor, apesar de exilado manteve toda a vida o som da sua terra. Libertango para Ti, dedilhando deves estar no céu.
Assim se me passan los años, aqui na minha mansarda, sim, porque ela é de todos portanto também é minha, a vantagem da Democracia é que é bela na sua idiotia. Lembro agora quando descobri que colectivo não queria dizer de todos, e o espanto que tive de saber toda a vida colectivo. De quase todos, da maioria, do lado maior e mais pesado; pois quando uma palavra basilar de todas as lutas não significa o seu significado, a subversão estava instalada no coração das maiorias e no âmago das minorias. É bonito, um bocado idiota, mas bonito.
Tanta frase não é habitual, mas o descompassado bandoneón carrega comigo por estas linhas retrocidas apesar de direitas e assim provo a minha dissemelhança com Deus. Criatura distinta, com maneiras próprias, rezo como já disse orações que afinal são gramáticas pedindo quem sabe compilações futuras, mais luz. Que se eu quero alguma coisa é Paz e Amor para mim e para os meus nem que isso signifique a minha expulsão do colectivo como eu tão recentemente descobri. Que são quase cinco e já me cheira a liberdade provisória ainda bem que este país tem Leis tão brandas, condenado estou por 36 anos e nem a meio da pena já tenho saídas percárias.
Agora é mesmo o fim, pus o Piazzolla no Libertango outra vez para acabar em beleza, e lembro-me mesmo a tempo de um frenético Paris onde ele morreu de saudades e de uma estátua que era menor, bem menor mas igualmente bela.
.../02/05

6 Comments:

Blogger Cadelinha Lésse said...

"... ainda bem que este país tem Leis tão brandas, condenado estou por 36 anos e nem a meio da pena já tenho saídas percárias". Calo-me. De novo, calo-me!

quarta-feira, agosto 17, 2005  
Blogger paulo said...

Tu não te cales, mulher! Tu nunca te cales!

quarta-feira, agosto 17, 2005  
Blogger Cadelinha Lésse said...

Há silêncios que são precisos, porque as palavras, por vezes, estragam tudo. És bonito por dentro (vês como estragam?)...

quarta-feira, agosto 17, 2005  
Blogger paulo said...

Ok, podes calar-te. Não deixes é nunca que te calem. Xi.

quarta-feira, agosto 17, 2005  
Blogger maria said...

Hoje acordaste impossível...
a Relatividade é permanente, seja inspirada em Schubert ou cantada em poesia heterónoma.
até o chocolate. Que dantes era Regina e adoçava as línguas em medalhas e agora é de todos os jeitos, até em triângulos que não encaixam!

Com que então cinza sem fumo e passos largos até à hora da largada... está
Quase!

quarta-feira, agosto 17, 2005  
Blogger Cadelinha Lésse said...

He, He, isso nunca!

Dois

quarta-feira, agosto 17, 2005  

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