quinta-feira, janeiro 28, 2010

17.30

Frente ao mar a muralha da duna o poente rosa doce o cansaço. Já não via o mar desde a ilha mas sendo não é o mesmo mar recortado a rocha. A bicicleta vermelha ferrugenta ainda serve os trinta minutos de aqui chegar o frio cortante não é barreira barreira é esta duna feita à máquina que não me deixa a onda. Contas feitas põe-se o sol a tempo de ir e voltar ainda a luz que todos os dias aumenta alarga-me a mim também e um bom feitio doce também alastra em mancha de óleo por mim misturado com suor e sôfrego de ar.

Volto-lhes as costas a este pedaço de costa. Amanhã volto.

quarta-feira, outubro 28, 2009

Hora Legal II

Na opacidade do céu vejo ainda a derradeira andorinha. Voa só e tímida, como quem perdeu comboio, e fica no cais, sem nada saber além de que perdeu. Irá a Sul como eu, quando lhe sobrar vontade e lhe restar frio. Uma pomba arrulha no telhado, também confusa. Era já de arrepiar este dia, mas não, ficam uns belos vinte e cinco graus às doze, que agora são onze, que mudou a hora, e estamos todos um pouco tontos e solares. Eu a andorinha e a pomba.

Aqui nestas águas furtadas, de trapeira redonda e janela basculante, passo os meus dias também no céu, três andares acima das ruas. Daí o sentir-me algo pássaro, de voo que apesar de baixo é voo, de pio que apesar de mudo diz. Eu a andorinha e a pomba, que entretanto se calou, somos, neste telhado, uma trindade moderna: a andorinha espírito santo inspirador; a pomba voz de deus; eu olhando da trapeira filho aqui posto para testemunhar presenças.

Assim, e pela santidade do dia, escrevo a linha testamento, nem velho, nem novo, apenas hoje. E fico enclausurado na trapeira a ver o mundo redondo como afinal ele é, esperando serenamente o frio que virá inexoravelmente. Vai restar a memória da asa negra, a voz da pomba cinza e as letras, incolores, essas que não desistem de se escreverem umas às outras.

sexta-feira, outubro 23, 2009

Sal

Desapareceu a nuvem após a nuvem
E a chuva lava-me interior e exterior
Uma pele curtida sobre a pele curtida
Um forro macio sob a carne dócil

De altos e baixos me componho
Cordilheira maciça em pico e vale
Acabou agora o andar tristonho
E a vida parece ter mais sal

segunda-feira, outubro 12, 2009

Dueto

Ofuscado pela luz tardia
Ofendido pelo calor intruso
Trepo em mim como se fosse hera
E árvore também num dueto claro

Sabe-me a boca a pó
E o desejo a nada
Sinto-me só
Trepadeira em sacada

sexta-feira, setembro 04, 2009

Da Razão e da Margem

O Poema começa por necessidade de Espaço
O Espirito esvaziado pelo Verão agreste
Desmarcado o caminho na razão das margens
Vogo pela necessidade de Mais Tempo

Ressoa em mim a corda prenhe
Do som dos séculos
E a vontade de dormir
Nega o verso
A escrita arrastada de Estio

Em breve Outono já outra estação
Correm os anos
Os quotidianos
E nada me ocorre

domingo, julho 26, 2009

Para Lá

O avião bate e é o fim. Outra vez o solo, com a sua novidade. O voo é demasiado azul, demasiado tempo, desmaiado de desejo de voltar. O solo o metro o comboio o taxi, a casa tal qual a deixei. Outra vez o colo do meu sítio, cada vez menos meu de partilhas fugazes.

Não gosto de voar a não ser em sonho, a não ser nas asas dos meus melros.

Amanhã trabalho. Uma praça nova na frente do edifício, quebre-se ao menos a rotina das pedras. Amanhã de novo recolhidas asas, remoendo os pios, a capa negra que nunca usei a cobrir-me a alma. Saudades de Coimbra, talvez.

Gosto de voar quando é para lá.

sexta-feira, julho 10, 2009

Enclausurado ( a I. )

Vai de verso esta partida
Pelo ar a ter com ela
Quize dias na barca de pedra
Quinze dias pelo mar

Estive um mês bem lá fechado
Para as bandas de uma serra
O destino cerceado

Vale um dia agora pelos dois
Que por então lá passei
Que por então lá passei

E na barca cardiaca
E na serra de claustro
Sempre amei
Sempre amarei

domingo, maio 17, 2009

Declaração Pública

Impedido de Exercer, mais uma vez, o Direito de Voto, Pelas Leis da República, Declaro o meu Apoio Ao Parlamento Europeu.

terça-feira, maio 12, 2009

Ramos

I

Há uma ordem que
Por debaixo da ordem
Não se deixa ordenar
E não aceita comando

Sei-a porque a sinto
Pulsar na testa e nos pulsos
Sonho-a: então ela é
Sabe-me na língua antes de provar
Então ela é prévia
E útil

Há uma subjacente natureza
Uma natureza solidamente ancorada
Que me dá o mundo
E que nem aceito nem discuto
Sou

II

Antes de mim
Depois do eu
Antes do sim
Antes do céu

Homem plural
Que o singular aceita
E que o aceita como seu
Homem natural
Eu

III

Descrever o ramo
Nunca é esquecer o tronco e o fruto
Ramo
Aceito-me ramo
E somos
Nós

segunda-feira, abril 27, 2009

Until Tomorow

O poente nos olhos cansados
A paralela luz
No descanço do dia

Retirando-se
Como um Velho Cansado
Cumprido e Feliz
Mas esperando mais

Mas como quem espera comboios
Só para, ainda
Vê-los passar

Já não passageiro
Apenas alinhado
Marco sólido

Descançado
Para o próximo dia

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Continua...

No mês perdido
Tudo foi perdido
Janos entrou pelo seu nome
O Deus das portas

Dos começos

Este ano falhou
Envolto na bruma
O mês primeiro
A primeira volta

Um recomeço

Fechado sem memória
O calendário reduzido a onze
E agora, uma felicidade estranha
Quase que se entranha na ponta dos dedos

Janos negou-se a si mesmo
E eu começo agora em Fevereiro
Nos carnavais de Baco
O ano novo

Sereno na continuação de tudo
Seguro de não me esquecer de nada

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Se Vis Pace

A marcação marcial da pazada elimina, em intervalos regulares o monte de terra. O suor, apesar do frio escorre, pinga nos olhos nos óculos na terra. No correr do sol pelo céu, cavo podo brinco canto. E nada mais além do que terra verde e espaço. E eu, em suor e esforço, o esforço de Servir a Estética e a Ética do verde da terra e da rocha.

O meu Quintim:

Portão Verde coberto a profusa cabeleira verde e vermelha de Verão, de galho vivo e expectante de Inverno à Primavera; muro alto coroado a grade depois a rede; árvores em fileira encostadas nele, até à casa do vizinho, que me oferece uma parede cega, antes branca, de 15 por 4; um lajedo de granito forra quase todo o chão, tapete, tatami; um marmeleiro, podre, uma laranjeira, amarga, um limoeiro, acre, o demais verde, rodeiam-no pelo restante. Muretes de granito e xisto, made por mim com restos de obras e casas e gente que por aqui passou e deixou desleixos ou faltas de força.

Quintim é também:

Quintal, Canto, Cantinho; Jardim!

Disse um dia que a Jardinagem é uma Arte Marcial. Confirmo. Mas da parte Para Bellum.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Eu Vou Lá Ter de Comboio ( a I. )

A apanhar raios de sol declinando
Telhados que antevejo ruinosos
Espero, Redentor Dezembro
O frio desinfectante das tuas manhãs pálidas

A cama morna de apenas um corpo

Tenho nas mãos a cautela de quem já perdeu cautela
E nas esperanças bilhete de taluda perpétua
Ou rifa sai sempre
( desde que tu saiste, ó Musa )

Quando desceres do Céu
Ó Anjo Terrivel nos meus Céus de Lisboa
Vai ser noite e fria noite e vai ser dia
De fogueira pelos olhos e nas mãos

Lisboa novamente ninho de corvos e pombas

Voa!
Peremptória voa para mim e para cá, Musa!

( eu vou lá ter de comboio )

sábado, novembro 01, 2008

Leben

I

A realidade dita a consistência
O tempo a pressistência
O coração resistência
E a alma consciência

A hierarquia perene
Do meu ser
O caminhar solene
O antever

Vou na consideração que devo
À própria imagem desta via
E vou no sobrepor sereno
Do repetir de onda e praia

II

Sei, porque sou antigo
Que venho de onde
E vou a algo
Sei, porque me precorro

Carregado da memória
Da memória leve
De quem não deve
Temer por lembrança
Hesitar de esperança

III

Forçosamente circular
Porque me aprendo
No gesto repetido
Pendular

Sou estou vou
Sempre comigo
progressivamente circular
Porque me refundo

Sou o caminho a verdade e a vida
Só não o único a absoluta a toda
Mas por toda a vida
Passo a passo e que seja longa

quarta-feira, setembro 24, 2008

Inácio

A deprimente coisa de estar só. Uma espécie de estado sem estado, liquido gasoso mas não sólido apesar de palpável. Por vezes gélido. A interrupção nóciva. Um tropeção na imaginada ladeira. Mesmo na planicie em que os anos transformam as vidas. Não sem horizontes, mas horizontes mais brandos. Ou algo como isso. Iço-me ao patamar seguinte, sem esforço, com a naturalidade da ascendência. Vou porque é ir. Condenados pela cronologia, vamos. Do nosso zero ao nosso omega. Descendo de alfa. Centauro. Na condição errática de bisnetos de cometas, expandimos. Crescemos. Somos mais e o mais.

Trazia no bolso um pedaço de ontem, com o orgulho medalhado da experiência. Eu sei dizia o olho gordo, salivando. Um verdadeiro tolinho. Entrou na carreira, pegou no braço de um céguinho que trazia, numa caixa grande, um acordeão. A chuva de uma hora já aqui à espera molha os cigarros. Há neste domingo uma obediência concreta à discreta desordem do real. Tudo frio e embaciado, como se a verdadeira cara da vida fosse fosca.

quinta-feira, agosto 28, 2008

Certo

1. Um Buçaco de Patas

Carnavais de esperança
As quartas de cinza
Capitéis mudança
Catedrais tristeza

Assim em balancé
Sob as imensas árvores
Sobre colchão de musgo
Junto ao verde lago

Remeto a mim
Uma angústia perguntada
De um passado meu
Da vontade adiada

Então lembro
Doutras árvores em serra
E sei
D’outro plano d’água

E rio, renovada folia
Das máscaras da memória
Das tristezas virais
E do bom d’agora

2. As Varandas Pousadas nas Memórias

O parâmetro rígido do voo
O pôr do sol na varanda triste
A luz que se pressentia esperança
Quando entrou em casa na primeira vez
No fim redentor de uma outra vida

Num começo que sei
Acabou em mim e continuou
Na persistente luz dos poentes
No voo recto impossível
Das andorinhas concêntricas
Ao fundo era a ponte possível
Que cruzamos e desistimos
( Então cruzá-la era importante
E voltar possível porque visto de cá )

A ponte temperada de aço preeênsil permanece
Na luz poente da minha varanda
Ainda há finais felizes na tua?
Aqui, agora, há uma tristeza acampada
E andorinhas como sempre

3. A exactidão da Ignorância

E ainda não sei
A soma dos dias
E ainda bem
Que ainda moro os dias

A progressão simétrica
Ou outra qualquer
A soma
A permanente soma
De traço de tinta de som

Nesta poesia
Minha
Não de posse ou detenção
Mas de geração
Emersão

( O Norte da bússola és tu
E nada mais é certo )

quinta-feira, agosto 21, 2008

Desde Maio

Entre a ausência e a parede agarro-me hera. Outra era. Uma nova era. Sinuoso, que os anos complicaram-me, arredondaram-me as formas e as ideias. Agarrado, que a solidez de muro é minha por defeito, feitio e orgulho. Tenho uma espada encostada a uma parede. É um sabre. Dentes. Lutar com unhas e dentes. Agora enferruja pacífico no encosto de entre móveis. Imóvel.

Decidi um regresso. Desde Maio. Mais Tempo durará mais tempo.

terça-feira, maio 13, 2008

Bruto

A descida frutuosa da tarde. A humidade baixa, que metade do horizonte está isento de neblinas e nuvens, e raios de sol batem, planos, nas asas das andorinhas. A trepadeira vermelha, faltam dois dias para as flores. Haja sol. Eu tenho saudades de estrelícias, dumas que nascem exactamente viradas a Sul, numa rua exactamente virada a Nascente; ou a Poente, conforme os casos. Mas Nascente, neste particular caso. Estrelícias de Hollywood, que ao pé é o Multibanco das Películas. Essas.

Astor. A súbdita síncope de Nuevo Tango. Dantes o tango era ideologicamente descontaminado. Os fachos dançavam o tango. Os Homos também; as tascas tangueras eram famosas, de Budapeste a Madrid. Passando por Lisboa, a bem do Hot Club. Mas isso, são já outras músicas. Ou do Sinatra. La realidad sombria de um Coronel. Alcazar.

As calças do Tintim lembram-me uns pássaros na Ilha Negra. Eram gaivotas, e ainda havia uma gralha; e uma chave. O Agostinho era Coronel; o dolmam dele é bonito, crivado a medalhas e a feitos de engenharia. Artilharia. Dezassete. A corcova carioca do Monte Brazil descambando em verdes sucessivos. A tua varanda. É bruto o mar visto daqui.

segunda-feira, maio 12, 2008

Não Inventei o Dia Claro

Pelo caminho das sombras
Que engana o quente e o seco
Pelo passo
O passo necessário e ágil

Pelo caminho nocturno
Que me doura os dias
A enganadora sombra
E o claro do dia

Mais sol e vontade
Ou luz, quero luz
E cortinas azuis

Na cabeça a ressoada música
E nas mãos nada
Que não é preciso nada
Quando se tem luz
A sombra
O claro dia

A vontade imaterial
Porque não dirigida
Apenas ela e os panos que me douram
Na pluralidade colorida
Da realidade do dia
Na subtileza da sombra

terça-feira, abril 22, 2008

O Resto do Mundo

Colosso me perfilo meio à terra meio ao mar
De longe visto os dois sentidos apesar
De por um deles ser de terra e de outro ser de mar

A cara é pétrea e o cabelo oscila
Numa das mãos um tridente a outra em espiga
O coração não se vê por tal não sente
E a alma é vã, onda corrente

O ombro é largo como o tombadilho
Da nau maior da maior das Índias
E o peito cavo duma tosse infinda
Das esperanças feitas de lá não chegar

Sou assim:

Não sendo o mar tenho no rosto todo o sal do mundo
E colosso em tão rara costa não me encontra o rasto
O resto do mundo

sexta-feira, abril 11, 2008

Do Amor, da Música e das Somas do Tempo ( a I. )

a)

Tripulando o cabisbaixa nau
De tu não estares e me parecer
Que outra nau nunca mais chega
( Falta muito para apareceres ? )

Tricoto a diligente manta
De ponto cruz ( e há outro? )
Dos dias em que te toco

A terra continua ridiculamente pequena
Mas pesada porque redonda e bela

Um homem tem mais dedos quando ama
Ademais dois corações
Quantas cabeças não sei
Ainda nisso não pensei

A chuva embrulhada no implacável vento
Lava as calçadas diligente Almeida
E as gaivotas têem mais sorte que eu
Capelo sem teu cabelo

I presume

b)

Richard Bach
Ricardo Strauss
Emanuel Kant
João Sebastião

Sinto-me decrépito
Uma enciclopédia vetusta

Voava voava

c)

Vivo em atracção gravítica
O que me soma massa
Até
À fusão última

Avé:

- Decidi fazer-me ao mar
Com tripulação de gaivotas
Bordadas nas velas bambas
Tuas marés tuas rotas

- Decidi ir e mudar
Compor-me somando notas
Umas fixas outras soltas
Umas gritos outras mudas

- Ao tempo deixo a circunscrição do espaço
Que mede o que o tempo quer
¿ E se ele não souber medir ?

Será como alguém quiser
Se houver espaço e ainda sentir
Tanta vontade desse teu abraço

d)

Vou sentir

domingo, março 30, 2008

Islabela

A minha mulher é transoceânica. Bem, meio oceano. Mas sendo dois, o par, meio mais meio dá o oceano inteiro. Porque ela gosta de mim na exacta proporção que eu gosto dela. Meio por meio dá amor inteiro. Bom, o amor inteiro. Mas longe, o meio oceano.

Fui ter com ela um dia destes. Saltei à ilha. Bela ilha. Sempre mar e vacas. E erva, não relva. As pequenas lições da vida ou como o porco pode simbolizar o outro, ou algo assim.

A minha mulher é do tamanho do abraço. E é bom o abraço. A minha mulher é a exacta proporção do meu peito. Um homem não é uma ilha. Mas há belas ilhas. E belas mulheres. E amores inteiros.

terça-feira, março 11, 2008

Buda

O compasso dos meus olhos
Traça o semicírculo entre o negro e o verde
E depois faço
A cara nova da paisagem

A estátua nova de um Buda
A dormir entre os granitos velhos
E a luz de uma vela velha
A velar por sonhos novos

E lembro
Porque é fácil lembrar
E bom
A estrada que aqui chegou

E o colo que me carregou

sábado, março 08, 2008

A Casa dos Dois Corações Azuis

Moro na casa dos dois corações azuis. Por cima da varanda ( uma pedra de granito com dois por um ) um vitral multicolorido, centrado por dois corações de vidro de um azul denso, que o tempo, paradoxal como sempre, teima em não esmaecer. Ouço Mäler, a 1ª., e sinto-me um Titã. Daqueles que moravam por cá antes de haver Homens. Não primitivo; primevo. Selvagem pré-selva e, obviamente, Civilização.

Um óbvio surrealismo tinge-me a realidade, e um Reguengos, reserva de 2004, a língua. E, como a transcrevo, o pigmento esborrata-me a escrita. A escrita desfocada.

As matizes de escrever são preto-e-branco. Mesmo assim difusas, espalhadas. A beleza de criar a palavra. Não que seja necessário, ou urgente, a palavra. Ela É, já Mestre Platão o dizia claramente. As ideias claras e puras; como quem diz; a palavra.

A palavra é um cacho de uvas ou um par de seios. Ninho de néctares. Berço, não no sentido de conter origem, mas de permitir futuro. Ai a amplidão da vontade. O abraço que dou ao horizonte, não corresponde, na medida dos afectos, à dimensão física ( cronológica ? ) do horizonte. Mede-se em paixão. No amor corrente, no desejo, por que não? ardente. Ai a medida de mim vertida em beijos!

Interlúdio Romântico
( porque o meu blog-gémeo há muito que me pilha )

Cesariny

Quando morre um surrealista o mundo fica mais surrealista. A televisão mostra imagens desconexas feitas para serem desconexas e procura-lhes uma conexão que caiba no soundbite. Cesariny foi a enterrar sem presidente da câmara e sem sequer um ministro. Foi de ajudante. E o sr. presidente fez-se esperar um quarto de hora; cadáver à chuva. Bela tela. Confesso que não gostava dele. Daquelas coisas há pessoas que nos enfadam. O pouco que vi dele na exposição dos surrealistas no Chiado era pobre em comparação com o magnifico Vespeira, por exemplo. Do que escreveu li pouco, e não lembro. Agora a atitude colorida no Portugal cinzento nem Almada nos anos dez a levar Lisboa para o futuro à biqueirada se preciso for. Disse não e disse não até poder. Vi-o receber uma faixa no cadeirão da sala, há pouco tempo, como a dizer querem encomendar-me, venham cá a casa. Eu aceito. Buscar não vou. Não posso. Custa-me. Nem sou boby. O Surrealismo chamou Arte ao Sonho. E da serenidade de Magritte ao olho cortado de Dali e Buñuel, abrigou em si todas as revoltas e todas as vitórias de um século. Poucas vezes um movimento causou tanto movimento. E no proibido proibir de 68, e nos alucinados cravos de 74 andava um Cesariny a assobiar zarzuelas. Feliz. Morreu de velho e sabia que o mundo estava melhor do que quando era novo. Mais um cadáver esquisito.
.
( por acaso este é inédito, mas não faz mal )
.
Adenda Única
..
"A Psicologia das plantas encontra-se nos livros de culinária, no capítulo das saladas" Anónimo, Min. Agrc. séc. XII

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Vidas Paralelas

A vida é obviamente circular. Talvez não a de um homem, mas a vida. Como tal é legível. Não o seria sem a repetição. Há padrões. Não nos é dada a sua natureza, mas existem. Ou não haveria partilha. Nem continuação. A vida é obviamente circular.

A vida é naturalmente recta. A vida de um homem. Não a vida. Assim, é legível. É-nos dado um começo, o fim é além. Não carece de repetição. Mede-se em anos. A direito. Ou não haveria tempo para viver. Nem supor. A vida é naturalmente recta.

sexta-feira, janeiro 25, 2008

O Centro

Apesar dos pesares
E da muralha fina
Apesar de pareceres
E oiro de mina

Continuo como declive
Debaixo de céu neutro
Tendo como sempre tive
A sensação de me faltar o centro

Apesar dos pesares
Disperso-me tranquilo
E sigo pelos lugares
Entre isto e aquilo

Apesar dos pareceres
Ando de valentia mansa
De Inverno e de tremores
Entre cansa e não cansa

terça-feira, janeiro 15, 2008

A Nicotina

A nicotina. Mãe de mi ansiedad. Nome do meu vício, um dos. Uma disciplina tadesca apodera-se de mim, recusando o cigarro, em nome de uma ordem, ou da Ordem. Rauchen verboten, se ainda me lembro. Há dias que o meu prussianismo. Outros não. Hoje sim. Ai águas do meu Mondego.

Chove insuportavelmente, venta moderadamente, a lassidão.

Os meus tempos cada vez mais lacónicos, a ausência do verso, o arrepio Inverno. A tua ausência. A madressilva está mais cedo este ano. A Primavera apanhou o avião mais cedo. Já há andorinhas em Lisboa? Joaninhas? A voa avoa.

quarta-feira, janeiro 02, 2008

Janeiro

Escrever longo. O apetite de escrever longo. O longo é estranho ao Homem. Somos cronologicamente pequenos. Como escrever o longo? Porquê escrever o longo? A Glória. Só pela Glória. Que será felizmente curta. Escrever então curto? À medida do talento.

Correr o anagrama. Seguir a hélice tripla. Seguir na exacta esperança. Cumpri-nos. Não como se fosse necessário, mas porque é evidente. A tremenda tatuagem da vida. Implícita e simples. Transcutânea, no sentido de ver a veia sob a pele e saber sangue e movimento.

A trepidação ferroviária, sobre carris, alinhada a ferro. De costas para o sentido da marcha, a paisagem rebobinante. O quotidiano a recuperar-me sobre os carris paralelos. O ano a despontar com o pesponto dos de antes. E o frio de Janeiro com o seu cheiro a esperanças.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

29 de Fevereiro

Adormecer o sono pesado pétreo. Não lembrar o sonho. Esse de acordado tenho basto. Mergulhar em mim a quotidiana noite, emergir os despertares insossos, inodoros, indolores. A química. A anestesia. A simetria de estado. O paralelismo mental. Não quero ir dormir porque não quero acordar, acordar não apetece, dormir não se vai.

O carrossel diário na feira já não nómada, estável, com morada fixa e cadastro limpo. A vida sã porque se estoirou a possibilidade de uma outra vida, e o corpo já paga o que não gastou ainda, as vontades, os quereres e os prémios pagos por cauções de dúvida. Ai o correr de noites, que não correm afinal, ou se correm correm em circuito, com a falsa curva para o espectáculo, a recta para acelerar, a meta, o champanhe e os louros. Quadrigas de hábito, as noites.

Mais um ano. Bissexto.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Ó da Guarda!

Ó guarda de honra de meus fiéis defuntos
Sucedam-se alas ladeando a via
Ó lista longa
Zebra do meu destino
Entre a luz e a sombra

( Hoje pus duas estátuas no quintal
Para atrair os pássaros )

Queria o rigor de um versejar moderno
Mas não conheço outro

Quedo-me

Na vertiginosa ravina
À bolina do vento selvagem
Iludindo rocha e corte

A alma é rapina entre as urzes
Garra de ponta e mola
Voa o dia entre a longa noite

Ó guarda de honra de meus fiéis defuntos
Sucedam-se alas ladeando a via
Ó caminho longo
Ó e a noite fria

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Dois ( a I. )

Na transposição compassada dos montes
Desço
Subo
Transponho

Ir
Ir sempre
O caminho é a transcrição do ser

Ser agora é contigo
E comigo

Ser agora é dois
E os montes

Dois é relevante
Nós dois