quinta-feira, agosto 24, 2006

Báscula

O pino de Verão os pinos de bowling e passear no shoping a ver as meninas. Com sapatos de defunto bicolores e aquele psst para desinfectar com ladies nigth no river café e sair sempre sozinho sempre às quartas-feiras. Ficava sempre com uma bolha no polegar e com a bolha pelas quintas-feiras nunca percebi porque jogava bowling e ia às ladies night’s. Perdia sempre.

O meu coração está em época de saldos não me pegaram nas promoções quando chegarei à nova estação? A estação nova é agora azul celeste mas não cheira a céu, os comboios não têm cortinas e o sol arde-me a testa e só um braço. E de noite são uma sala de espelhos e quando ergo a vista há sempre olhos que se cruzam. No céu haverá olhares cruzados, ou será tudo puro e azul celeste? Haverá olhos sem serem azuis?

Meu primeiro amor tão cedo acabou só a dor deixou nestes olhos meus tinha olhos azuis e era Rita, tinha tranças loiras e não caçava borboletas, pelo menos não a recordo de rede na mão perscrutando arbustos. Mas era puro sem acreditar em céu era terra sem lhe saber o gosto. Era e ficou. A alma existe porque guarda cicatrizes, o corpo é transcendente porque sonha.

Tenho uma balança velha de pesar arroz, mais precisamente uma báscula que está debaixo da secretária onde guardo os papéis. Também tenho vários baús mas não são para papéis. É verde, funciona e quando tinha menos de quarenta quilos pesavam-me lá. Agora gosto de a ver onde está e saber que por mais papéis que lhe guarde por cima nada pesam. Tenho uma escrita imponderável.

segunda-feira, agosto 21, 2006

Raio de Sol

Denoto com gozo que subsiste a nota
Na pauta de vidas submetidas ao constante som
Como um acordeão que ouvi há dias
No puxar e empurrar sopra música

Nada pára a valsa triste
Dos bailarinos da guerra
Nas vagas tingidas
Nada-se sem pé

Delicada a trama da chuva em Agosto
Que cai mas quase não molha o chão quente
Pincela só com uma nitidez miúpe
O verde dos verdes e cessa logo

A chuva bombeira substitui com vantagem a sirene do quartel
Soldados da paz em paz as mangueiras frouxas
E suspeito melancolia entre os botões das fardas
Um brincar com fósforos nos impacientes bolsos

Ai Agosto roleiflex de fotos amarelas
( Tenho uma fotografia de 1920 com o vovô bombeiro
é o único sem bigodes enrolados 15 anos não davam direito )
Ai onde ardem os fogos da memória se persiste a chuva ?

Um dia de Agosto sem direito a azul
Podia ir ao mar mas suspeito-o cinza
E este clima de suspeitas não me faz arder
Só me dá vontade de um raio de sol

Agarro-me às cordas de um quarteto delas
Dissonantes e russas e também melancólicas
E penso Moscovo a arder em pleno Inverno
E que a cor da guerra é da cor do fogo

A ironia do carrossel e da barraca de tiro
Carrinhos de choque e choques frontais
As troupes das feiras são tropas de assalto
E o veraneante civil inocente

E levo-me para quando passava três meses na praia
Quer quisesse ou não era religião
( salvo aos domingos que havia missa )
E quando chovia era uma alegria

E fico lá a furar ondas sem conotações
A puxar redes que só traziam peixe
E a ser menino louro e lindo
Benzido de praia e raio de sol

segunda-feira, agosto 07, 2006

Tauromaquia

O homem que ri da própria miséria provavelmente não tem os dentes todos; a guerra é a continuação da diplomacia por outros meios; é o sexo a continuação do amor por outros meios? Não sei. E prefiro este não saber Socrático ao querer sair da caverna Platónico; e prefiro amar assim perdidamente ao lutar por ti. Porque perdida é a última batalha, derrotado contra mim no teatro do sonho. Porque o desejo sublimado continua a ser desejo. Porque sim. Porquê não sei. Não sou, nunca serei, um herói do mar. Simplesmente deixei de enfrentar a onda. Afogado em praia. Sedento de ti. Perdido de mim. Nada sei. Sinto que já nada quero saber. Já nem nado. Já nem guerra.

Davides e Golias em bailados assimétricos, trocando de papéis no correr das eras. Sabendo a morte inevitável, mesmo assim lutando. Fundas, as fundas. Profundas e perfurantes, deixando a ferida a cicatriz a nova ferida, num fandango taurino em que a besta é o homem e o homem é a besta. E nada faz a arena. Será a arena a maior besta? Fosse tudo como a Tauromaquia de Goya. Águas-fortes. Sem rubros nem gritos só papel. Queimável perfurando escuridões eternas. À luz da candeia cedo a do papel ardido com tinta ideia e tudo.

A periclitante força da vontade cede em fés vãs ao altar da força de vontade, e eu sigo cada vez mais fraco aos pés do desejo cada vez mais forte. E este sol de Agosto suga-me em vapores de água e sal, mas o sal eras tu e só me esvaio em nadas. Ai sol cessa. E ele cessa mas as pedras guardam-no no correr das noites. Corridas. E a arena nada faz. E eu seco em papel queimável, com tinta ideia e tudo. E eu tu. Definitivamente Golias, profundamente ferido, tremendamente quente, fiel a Goya, a ti e algo triste.