quinta-feira, setembro 27, 2007

Mãe - Dois

Pela varanda chegam gritos de crianças o magnifico sol de Setembro o matraquear, por uma vez suave, dos carros no semáforo. Eu sinto-me completo, e bem. Mais um cadáver adiado jaz, à espera, num cemitério escuso, mas aqui, criancinhas para o museu e os carros que agora arrancam para o resto das vidas deles, la tomba é chiusa.

Sabes o que é saber o fim?

Neste jogo de pela a que se resume a vida, muitas vezes mal, há-os de vários tipos. Eu sou um encerrador. Mas também um memorizador. E às vezes, a confusão instala-se nos olhos dos outros. Não faz mal; la tomba é chiusa.

Sabes a que fede um cadáver?

Feito o velório arrumado o luto feita a trouxa recomeça a vida ( mas ela alguma vez acaba? ), fecho os olhos e frente ao mar, no limiar do território das gaivotas, quase que juro que é mesmo o fim. ( mas alguma vez deixou de ser o fim? ). La tomba é chiusa, mas o cemitério continua aberto. Até às seis.

quarta-feira, setembro 19, 2007

Das Musas e da Literatura

A organização tende para a entropia. É uma daquelas Leis Sociais que aprendemos e usamos como o Código da Estrada. Infringimos quando ninguém está a ver. Ou quando sabemos que não faz mal. Ou porque toda a gente infringe. O que é certo é que é Lei. Como tal, absoluta, geral e abstracta. Há contra-medidas, mas em geral e concretamente, a sua absoluta certeza tem permanecido indesmentível. E quem disser o contrário mente. A permanência, que assombrou gerações, é, como no Camoniano, “Que não se muda já como soía”. O velho em mim acordou amargo, e pedalar ao oceano só me trouxe sal ( minto, mas ficou bonito ).

Há no entardecer deste Setembro uma doçura Outonal. A onda, que me nega o mergulho, dá-me brilho e música. Leio Faulkner, que Lobo Antunes já tinha lido 30 vezes, isto em 1994 ( cf. Nota introdutória de O som e a fúria, D.Q.md ), e há uma mudez partilhada entre mim e o livro. Eu só vou na segunda vez. E vai lento, como convida o inclinado sol que bate na areia na página e em mim.

Agora, com um violoncelo a forrar o armazém ( a minha mãe dizia Salão, que era mais pró fino; mas foi um armazém de arroz ) sinto saudades de um eu que fui, a devorar uma biblioteca municipal ( daquelas da Gulbenkian, que tinham tudo ); li os americanos por ordem; outros também. E fiquei, com uma dieta de 3 romances por semana, forrado por uns anos. Tenho saudades da Alice, que estava noiva, era linda e carimbava perfeitamente. A Literatura e as Musas.

segunda-feira, setembro 17, 2007

Da Honra e das Rainhas

Farto de ser peão no teu xadrez macabro
Dá-me, Rainha a Honra
De um Rei tombado

Tu que sabes existir verdade
E que de ideias defendeste o pano
Não te queiras meu farol d’engano
Não me guies no caminho escuso

Perguntas porque simplesmente
Eu não digo não e me recuso
És a Rainha
Eu já tombei

Nada me resta senão o uso
Normal de sair do tabuleiro
Dorido mas inteiro

Caído mas honrado
Só mas mal acompanhado

terça-feira, setembro 11, 2007

Somar

No abandono transtornado pela calma
Na febre imóvel da nova distância
Contemplo as mãos vazias
Conto os dedos
Falho a soma

O que sei não vale um pingo de futuro
E por mais que olhe Amanhã
É só amanhã
E falta a espera
Tenho a soma

Errar é mais longo que a espera

quinta-feira, setembro 06, 2007

Legal

Frente ao mar e a tarde a cair suave sublinhada ao vento rude que me faz tremer. Termina o dia de t-shirt quando eu queria sol na pele e sal na boca. Tenho saudades. Não há ondas, e vinte surfistas aguardam plácidos, como gaivotas cansadas da faina. O sol, com o peso relativo das seis, mesmo assim queima. O mar, mesmo desprovido de agitação, resmunga, e sonha dias de fustigar costas e banhistas. Deve ser da lua, ou da ausência.

Comecei hoje a minha época balnear, que durará, assim queira o clima, até Outubro, naquele dia fatídico em que muda a hora, e um tipo sai do emprego e de repente é de noite, ainda ontem era de dia, ainda um dia me hão-de explicar para que serve este baralhar de horários. Acho que os burocratas, nas suas mesquinhas mentes, sabem que assim incomodam toda a gente ao mesmo tempo, e duas vezes ao ano, e ficam perdidamente felizes. Devem realizar cerimónias, e chamar aos dias, como os americanos o VE e o VJ, só que aqui são os DO e o DP, onde se celebra o domínio da parvoíce sobre a natureza. Delírio de Outono e Demência Primaveril.

Finalmente ergue-se trôpego da espera um surfer, a onda tem vinte e dois centímetros, é um fiasco, mas os outros não riem, ao menos tentou, ao menos quebrou no quebrar daquele pretexto a monotonia do apenas boiar. Eu vou, a Nortada a pentear-me, para a etapa final do dia, no meu alazão vermelho, que come câmaras de ar como os transmontanos chouriço, e seguir sonhando uma praia exactamente igual a esta, mas sem vento e sem hora legal.