quinta-feira, setembro 29, 2005

Dúvida

Se esta ponte impossível chegasse ao destino
Se este dia infindo enfim terminasse
Se fosse agora o já que já não espero

Dúvida

Sempre o enorme Se da dúvida
Será finita a infinita espera
Durará enquanto dure

Não me falta nada

Mas tenho excesso de ausências
Estou farto de ser
Não sei bem o quê

Mas não quero nada

Os sonhos ainda me perseguem
Nesta montaria vaga
Não me sei lebre ou cão
Não me sei

Talvez queira algo, então

Um nome próprio, decente
Uma placa que indique caminho
Uma direcção para as minhas cartas

Talvez seja eu quem persegue os sonhos
Como voos de ave, como brisas cálidas

Mas não quero chegar-lhes
Preso no labirinto, meu fio é curto
Não vou chegar ao fim da história
Não vou saber a cara ao monstro

Sempre o Se enorme da dúvida
Sempre o sonhar novas perguntas
E sempre o não querer nada senão sonhos

Dúvida

Ou a não certeza de estar certo
Ou o não saber errar por não saber tentar

Sonhar

Como única rota para o impossível
Contemplo a ponte sobre o algo assim
A curva qu’ela descreve sobre o algo em mim

E sonho

Não como quem espera, mas como quem sonha
Não como quem faz, mas como quem tenta

Como quem erra

No fim persistirá, não tenho dúvidas

A dúvida

Os meus sonhos d’ontem já não são
Perenes na sua inconsistência
E o erro permanecerá a base
O alicerce dos de amanhã

Metrónomo rápido quando não é lento
Bate o coração os porquês, os sins
Os nãos, os assins
Num ritmo ditado pela voz ausente
Pela regra não escrita

Pelo sonho

Pela dúvida

Bate sinónimo d’ incerteza
E pela certeza de ter de bater

Bate assim, porque sim
E já não duvido que irá parar
Como a ponte que não tem destino
Será meu destino parar de sonhar

Sigo então
Dúvida e sonho
E já tenho nomes próprios, decentes

Lavados e enxutos prontos a vestir
Encolhi a dúvida para o meu tamanho
Alarguei os sonhos para o infinito

Nunca mais duvidarei a lebre
E nunca mais duvidarei o cão
A montaria nunca passou de vaga
Passageira

Dúvida

A palavra certa no momento errado
O verso acabado qu’ainda nos ressoa
A vaga na areia como fim de tudo
Ou o erro enfim como um nome novo

segunda-feira, setembro 26, 2005

Ansiedad

E nas minhas mãos agora vazias
Vais estar esta noite toda inteira
E esta boca seca farta de esperar
Vai saciada saber enfim a ti

Tenho na cabeça a sinuosa estrada
Marcada por tuas curvas suaves
Tenho meus pés feitos a caminho
Sei onde estás e vou rápido para lá

Não aceito desvios, engulhos, ses
Vou e vou e vou e não me parem
Saberei ao chegar quais os enredos
Onde se irão enredar dois corpos

Sei de ti meta e fim, sei de ti sim
E vou e nada trava a caminhada
E em cada passo dado na tua direcção
Aumentas de tamanho, cresces emoção

quinta-feira, setembro 22, 2005

Equinócio ( a M. )

Nestes dias de poentes escassos
Onde o sol repentino se esconde
E folhas cansadas castanhas tombam
Sinto em mim dois corações
Batendo descompassados em par

Neste dia igual à noite
Entra o Outono de cabeça baixa
Pedindo desculpa d’ir roubar o sol
Cada dia desde agora mais curto
Meu amor cada dia mais longo
Bem-vinda estação das mais extensas noites

Mais tempo por casa, mais pretextos d’abraça-la
No chão juncado de folhas mortas cansadas castanhas
Vejo calendários a somar mais dias
A este amor que brilha oposto ao sol
E espero a chuva espessa a cantar nas sarjetas
Novas canções doces como ela

Adeus então Verão berço de nós dois
Bem-vindo és primeiro Outono
Sela esta arritmia apaixonada
Com fogos nas folhas que restaram
Rega esta terra com canções de chuva
Mata as sedes desta Pátria velha
Que eu por mim ando saciado

quarta-feira, setembro 21, 2005

Cessa a Voz

Cessa a voz, e no silêncio
Vive ainda o nada som
Parte a nau, e no azul
Vogam velas já ausentes

Cessa a voz, e no silêncio
Passa a nau que já passou
Brilha azul a água mansa
Foi-se embora, não voltou

Cessa a voz, e no silêncio
Estou eu porto, pedra imóvel
Adeus voz de velas brancas
Vivo ainda sem teu som

Vogam velas já ausentes
Em meus ouvidos desertos
Pedra imóvel, lentamente afundo
Lentamente, ao fundo

Noutro sentido partirá tua nau
Rumará a distantes costas
Num silente mar azul
De ausentes velas brancas

segunda-feira, setembro 19, 2005

Folha Seca

Vai até onde te levam, folha seca
Vai no vento desses hálitos, onde te sopram
As bocas dos que ordenam teus destinos
Vai na frase, vai no grito, vai no olhar duro
Vai, mas não penses que é futuro

Esse construirás com os teus sonhos se os tiveres
Com a mais que certa lágrima, com a segura dor
Com o tijolo roubado, a argamassa podre
Com a tristeza de saberes que nada sabes
Dessa vontade que te leva a construir

Eu não. Eu escolhi ficar aqui neste meu canto
A sonhar estes meus sonhos derradeiros
Escolhi, não fui escolhido, e não me importa
Que venha dessa escolha a mais que certa lágrima
A mais segura dor, a tristeza de tudo saber

Desta vontade que me traz imóvel
Desta certeza que me faz quieto
Destes sonhos que imateriais me fundam
Graníticos alicerces do que sou
Soldados ao exercício do vento

quinta-feira, setembro 15, 2005

Olha

1- Donde veio o som do teu olhar
O cheiro do teu ir
Onde está agora?
Onde foi que se perdeu o futuro de nós,
O desejo de sermos mais?
Olha, pergunta antes ao vento porque sopra
À chuva porque te molha
Olha
E se vires mais do que eu,
escreve uma carta, ou fabrica um mapa
E eu, voltando a ver a sombra do teu cheiro
Ei-de lê-la
Guiar-me-ei por ele

2- Donde partiu o comboio que apanhei
Na manhã que não foi o que queria?
Onde estou agora?
Já não sei a hora da partida, ou se parti
Descansa, porém
Há mais comboios de partidas apitadas
Há mais caras cortadas a procura de teus sonhos
Olha, não perguntes
Dá um passo em frente
Afirma-te
Grita na cara do vento, chove tu
Sê a glória no teu próprio céu
E se depois, devagarinho
Descobrires que eu te falto
Escreve uma carta, fabrica um mapa
E manda-los pelos correios
Não convêm nada confiar destinos
A cartas que não levem selos

3- Não convêm nada jogar no vento
Os ases que nasceram duques
E se eles cresceram, deixa-os ser
Ou não
Afirma-te, cospe no destino
Que da tua boca só saem rosas

4- Eu, continuarei comendo esperanças
Como quem come caracóis, ou algo
Terei, espero, sempre apetite p’ra esperanças
E se quiser, um dia, a sombra do teu cheiro
Vou escrever a carta, jogar no mapa
Dar aos duques a devida vénia,
Aos ases o merecido aplauso

5- Amo-te
Mas não sei se vai crescer este amor
Ou morrer devagarinho como morrem rosas
Olha, vou perguntar ao vento, à chuva
Depois, havendo réplica
Saberei afinal qu’éramos sismo
E tremerei devagarinho de lembranças tuas

segunda-feira, setembro 12, 2005

Alazão

Leva-me contigo, sonho breve
Na tua quimera dourada
Leva-me agora que tarda
E ter pressa não é grave

Montei na tua garupa
Alazão de pelo claro
Não tenhas galope avaro
Corre comigo este mapa

Transpõe todas as fronteiras
A salto como era então
Nos tempos da comoção
Atrás de antigas quimeras

Transpõe tudo o que te trave
Alazão do sonho breve
Não olhes estas barreiras
Como olhaste p’ras primeiras

Galopa, olhos de sonho
Ruma a futuro risonho
Trotarás em lá chegando
Depende de ti o quando

Garupa em que me sento
Veloz como aquele vento
Soprado noutra revolta
Sonha breve qu’ela volta

Que contigo sonho eu
Com cravos, Abris e sois
Sonhe cada um o seu
Juntá-los-emos depois

Depois de um dia lindo
Em que vou enfim chegar
Dar o caminho por findo
Acabar de cavalgar

Tua garupa castanha
Clara como é tamanha
No teu peito de alazão
A vontade coração

Clara da madrugada
Da luz, do brilho, da cor
Terminada a cavalgada
Chegará por fim amor

quinta-feira, setembro 08, 2005

Aqui

Aqui pousam as águias do meu sonho
No penhasco altivo e desolado
Miram o vale reduzido em baixo
Já não voam cerceadas asas

Aqui bebem os cordeiros do meu sonho
No arroio lamacento e quase seco
Bebem água em saudades sôfregos
Já não correm pelos campos verdes

Aqui foste o sonho do meu sonho
Nas distantes madrugadas acordada
Cantavas loas pelo sol nascente
Já não ecoam tais rimas lunares

Lua qu’é também a do meu sonho
Agora apenas astro desbotado
Imagem neutra no seu brilho opaco
Sua antiga luz cedeu toda a ti

terça-feira, setembro 06, 2005

Serve a Espera

Serve a espera de antecâmara
Ao que queremos do futuro
Mobilada a esperança-fera
Ambição de muro a muro

Sala ambulante, portanto
Caravana de ilusões
Tenda de circo ao relento
Abrigando multidões

Que futuro é já agora
Já depois do que escrevi
Quando agora é o que fora
Quando o longe é já daqui

Que o futuro não está
Depois de hoje, afinal
O futuro é para lá
E p’ra cá numa espiral

Serve a espera de antecâmara
Ao que queremos do presente
Mobilada a esta hora
E de movimento ausente

Sala quieta, portanto
Estátua fria, mármore branco
Á inércia monumento
Cena imóvel, vasto palco

Que presente nunca é
Nunca foi, jamais será
Que presente apenas é
Vácuo entre agora e já

Que o presente não está
No dia d’hoje, afinal
No presente nunca há
Nada que seja mortal

Serve a espera de antecâmara
Ao que vimos no passado
Mas passado, foi embora
E é caminho encerrado

Sala vazia, portanto
Sem nada que ver por dentro
Só janelas, sem paredes
Em que pendurar lamento

Que passado é para sempre
Já antes do que escrevi
Quando ontem ainda é hoje
Quando o fruto é já semente

Que o passado não está
Antes do hoje, afinal
Nunca está aonde estava
Mobilidade total

São meus olhos Mestre-Tempo
É meu coração sineiro
É de espera o movimento
Tinta não há no tinteiro

E o meu tempo sou eu
E as formas que quiser
E o destino faço-o eu
Com a voz do que disser

Encerro então esta espera
Também antes de esperar
Tenho gente que me espera
Termino aqui meu cantar

Tenho d’ir chocar de frente
Com gente que está lá fora
Que como eu não lamente
O tempo qu’é o de agora!

segunda-feira, setembro 05, 2005

Eu sou

Eu sou o que prefere o silêncio ao grito
A caneta à espada, a flor ao fruto
Eu sou do ar mas o meu corpo é água
Eu sou do vento mas não parto com ele

Eu fico sempre á espera de algo mais
De mais ar, de mais luz, de mais vida
Mas aceito-os limitados e estreitos
Para mim eles são e basta

O que me define são as minhas fronteiras
Não o que contenho, mas o que me contém
O que me guia são estrelas, mas eu não vou
Eu fico sempre aqui á espera de algo mais

sexta-feira, setembro 02, 2005

A uma exigente

Caído na asneira de lhe dizer que não escrevo feliz, invectivou-me, abanando fúria separações iminentes, um texto novo, um texto já. Toda a minha vida fui movido a lágrimas, a felicidade é para usufruir, não para descrever. Tenho medo de esgotar sentimentos verbalizando-os, falar de quê, se só o amor me domina, e falar de amor é blasé, o importante é fazê-lo, torná-lo maior, não dependurá-lo num edifício vácuo de palavras, não vãs, mas desnecessárias.
Bem, é suposto dar prendas às caras metades, e fazendo, pelos cálculos distorcidos da menina um mês de romance lá para domingo, vou, com o risco da redundância, da vacuidade, oferecer-lhe uns versos fresquinhos, e aproveitar para lhe dizer: vales a pena!

Habituado a ver minha vida planície vasta
Num abraço intenso banhado em sons d’África
A minha solidão acordou bruta e disse basta
Montes queria a minha solidão, coisa pouca

Um beijo, dois, e surge repentino o nó que ata
E dois corpos agarrados em música louca
Viram a vertigem doce que a saudade mata
E da boca a palavra amor surgiu algo rouca

Agora na distância relativa de um pouco mais de tempo
Cuido deste amor com desvelos, planta frágil
Tento no vagar dos dias erguer-lhe altar ou templo

Nada é demais para ti, amor da palavra ágil
Param-me é as mãos, como faltando espaço
Nesta minha vida para tanto abraço

quinta-feira, setembro 01, 2005

Outra Lua

É no escuro que em ti penso
Um não negro pensamento
És luz que brilha no escuro
Alegria em movimento

Se vens até mim no escuro
É p’ra ele ser só teu
Uma espécie de escaninho
Que contrasta o brilho teu

É no escuro que então brilha
Mais intensa a tua luz
És de prata maravilha
Outra lua nos meus céus