E no deslizar do dia sinto a pela a arder de uma fricção mole, um queimado deste sol que se esconde entre nuvens altas, e sorri, com a breveza de um adeus e se esconde, sempre queimando o braço, sempre perlando a testa. A memória ondula-me como chapa, em vales e picos, e assim não é bem como chapa, é mesmo como vales e picos. O Hospital da minha doença vai fechar, vou continuar um doido à solta, é bom. Era das Freiras, era do Estado, agora já não é, e fica o meu Peniche de onde nunca fugi senão nos sonhos exarcebados, quanto as drogas deixavam sonhar, que era pouco. Sinto-me mais só sem o meu asilo.
Nas noites brancas que continuo, vejo o que me deixa a vista cansada. E vejo muito, e vejo nada, na neblina fina do álcool e do fumo, na embriaguez dos perfumes, nos declives dos decotes, nos canyons dos jeans, Na perna grossa que me afina, no braço fino que não me enrosca. Não me sinto aqui só. Este asilo não acaba, pelo menos não acredito. Enquanto houver doidos disto, pelo menos. Os doidos daquilo, esses já não tem Peniches. Os doidos disto tem todas as noites de todos os sítios.
Amanhece quando tiro a cabeça do buraco, e atravesso a cambaleante ponte sobre o rio de aço. Lá vou outra vez para a minha caminha de solteiro, o meu edredão cor de vinho que só se enrosca a mim. E continuo a não me sentir só, quero é dormir e se puder sonhar com tudo e com nada, desde que não me lembre depois, tenho medo que com os sonhos concretos venham as discretas drogas. Já não no velho convento, definitivamente. Ainda não sei onde me vão matar os sonhos daqui em diante. Agora, no rio de aço, isso não me importa lá muito. A única distância que vale agora é a da minha caminha de solteiro. Do meu edredão virginal, na sua cor bêbada dos sonhos esquecidos.