quinta-feira, outubro 27, 2005

De 7 Olhares Saído ( a S. )

De olho a olho
Passeia-se a vista
Enreda-se em coisas, nas pessoas

Errante também erra
Inconstante também cega
E nas cores retintas das retinas
Baila a luz em passos de anjo

E brota em palavras desletradas
E fabrica alfabetos muda
E muda, e cessa, e é
Tudo o que queremos nela visto

Passeante e paciente
De espera e sujeito
Aguarda a cura

Um olhar mais limpo

quarta-feira, outubro 26, 2005

O Leopardo

Folhas secas em turbilhão de Outono
Rodopia-me a alma o vento
Folhas e eu em turbilhão

Rodopia numa valsa
Lembro o "Leopardo"
E trabalho para que tudo fique na mesma

No centro geográfico da semana
Pesam agora em mim o mesmo peso
Saudades e ânsias

Vou nesta linha incerta pelo vento
Ora puxado ora impelido
Mas vou, tenho destino

E quando digo que ergo permanências
Tem janelas amplas aquilo que faço
Construo colunas não portões de aço

E quando olho o dia, sei-o leve
E quando olho amanhã sei aonde
E vou mudando pouco para que algo fique

segunda-feira, outubro 24, 2005

Chuva

Certa como um relógio Suíço
( sem cucus que esses abrigaram-se )
Cai chuva obliqua, em diagonais
Minha janela, metade cinza metade telhas

Nesta maré tanto aguardada
Não é triste este ano a aguada
Charcos no chão, até goteiras
Saciam as gargantas, a vista

Amei sempre a chuva ao longe
Fugi-lhe como a embaraço
Sabia-me bem só na cama
A cantar pesada nos beirais

Agora, um ano renitente
Voltou certa como marcha militar
Obliqua e doce, como uma prenda adiada
E tenho vontades de correr entre ela

Tempo de pensar aqui
No que as saudades pesam nos amores
Imersas forças que a distância
Parece não ter peso nem valores

Tempo de pensar sem lágrima
No vazio em que acorda minha cama
Na diária e constante chama
De pensar em ti no cantar da chuva

quinta-feira, outubro 20, 2005

Grande Dia!


Hoje li, num blog insuspeito, que é dia do Arquivista, do Controlador de Tráfego Aéreo, da Osteoporose e do Poeta. Imaginei-me Arquivista do Serviço de Controlo Aéreo da Portela, sofrendo de ligeira Osteoporose, e fazendo versos leves sob aviões e pássaros. Sonhando com uma reforma adiada, olharia a janela baça de pó, e por lá dela levantando majestoso um charter para Caracas. Abençoaria então o Mundo e seus Senhores, autores deste dia absolutamente especial. E faria uma quadra onde rimasse avião com pão ave com nave, ousaria até rimar olhar e sonhar, meu bem e vem. E no rugido do derradeiro avião, modulado por uma dor suave na anca, alfabetaria um dossier grosso, com as horas extras do pessoal. Grande Dia!

quarta-feira, outubro 19, 2005

Da infinita paciência das horas ou da cor de Deus ser como um nome ou de como Camões nunca chegou a Timor ou ainda do Amor que por ti tenho

O tédio das horas a escorrer devagarinho na ampulheta, os segundos a tictaquear lentos como lesmas grávidas ou caracóis assexuados, os minutos montanhas inescaláveis, picos imensos de tão altos. Aqui estou eu mais uma vez fazendo espera como coisa construída, voluntária, como se esperar fosse já chegar lá, não sei onde, talvez ao futuro de mim. Aqui estou eu mais uma vez a compor palavras como música e a chamar-lhes versos não sabendo nunca se são sinónimos de avesso ou donde lhes veio o nome. E penso que a ignorância socrática de que me orgulho é por vezes só ignorância, e de como tenho de ir ao Torrinha mais vezes.
Hoje faz-me companhia Verdi que é cor que me agrada nas relvas e nas árvores, é o Requiem mas não me soa a fúnebre, soa-me a homenagem às almas eternas e sendo-o todas elas soa-me bem ( gostaria que um dia me fizessem um Requiem que fosse do tamanho de um adeus pequeno, assim uma nota breve e já está ).
Uma vez fiz um Requiem a um Império, não me saiu lá muito bem, mas naquela altura estava furioso e a raiva, excluíndo as do Progresso, é má conselheira. Esse Requiem não era como este, era um às almas danadas, que as há também, normalmente feitas da forma das ideias mais puras e dos ideais mais nobres. Pairam sobre nós como se as nuvens as sustentassem, apontam caminhos do assento etéreo onde subiste, que me desculpe o Camões e dizem: É por ali! E normalmente vai tudo atrás, ofuscado pelos brilho, pelas purezas, pelas certezas, e normalmente dá asneira, no caso deste Império deu, e da grossa. Mas é passado, está enterrado, vamos fazer uma fogueira e cantar canções tristes e partilhar o futuro daqui visto risonho e vamos esquecer o que vimos, donde vimos e aprender nada. Vamos cantar esperanças mortas em ventres estéreis sem o saber, porque não aprendemos as lições da História e achamos que a fome de hoje é maior que a de ontem.
Chamava-se Santa Cruz, o Requiem. Ai mar azul abre o teu peito afunda o passado do meu Povo e a ironia cruel de ser lá que começou a Cidanadia Timorense. Meus irmãos de bilhete de identidade, hoje divorciados pelas marés da História, resta-nos a língua. Tratai-a bem, e tu Presidente que também versejas sê feliz, mas não te esqueças: We should forgive but not forget.
Verdi continua felizmente a ser uma lição de elegância formal, que agora apetece-me ser pedante e falar caro e fino, o que a mim não é difícil. Gostava de saber latim, mas nunca mo ensinaram e agora não percebo nada do que estes tipos estão para aqui a cantar, resta-me a música que não necessita de tradução. Dies Irae sei o que quer dizer, deve poder-se traduzir como cães danados que cada um tinha a sua cor mas eram todos assasinos e raramente vi tanta ira divina condensada em tão poucos homens.
E é assim a espera que construo sem direcção que não seja o texto descendo pela página ao correr da pena como se ainda houvesse penas, as de pato parece que eram as melhores. É assim esta ausência de assunto que se torna espiral descendente, vórtice de ideias dispersas comprimido em frases feitas de tudo e de nada. Escrevo e nem sei o quê, se versos, se prosas, se são coisas novas, se monumentos feitos na ignorância do que se celebra, se criaturinhas maldosas a ditar-me ao ouvido heresias modestas. Escrevo só na certeza que consome tempo e espaço que afinal são a mesma coisa para o poeta em mim.
Aos construtores de catedrais movia-os a certeza de Deus, a mim move-me a certeza de mim, do concreto de mim, da beleza de mim como coisa criada e integrada na beleza geral do Tudo. Sou crente, profundamente crente nas origens e nos destinos e sei-os iguais em valor e peso. Só não sei se chamo Deus quando acredito na transcendência do Universo, se rezo quando digo para mim que há futuro, se é oração acreditar na unidade absoluta das coisas.
Ora, digo para mim, no livro que um dia alguém escrever narrando a história deste Mundo estarão as respostas a todas as perguntas. Ora, digo para mim, não vale apena cansar as meninges com a metafisica, que por ora passam as minhas horas como camelos lentos em Arábias deserticas, como rios lentos debaixo de canículas ferozes e resta-me olhar o céu sem estrelas e gritar teu nome, por ora resta-me saber de mim completo Homem Pensante, cheio de dúvidas sem resposta e portanto irrelevantes, cheio de sonhos impossíveis e portanto irrelevantes, cheio de música e portanto feliz.
Chamei a Truta ( a do Schubert ) em meu auxilio e valeu a pena. Quando era escuteiro e sempre alerta a minha patrulha era a dos castores, agora sou da patrulha da Truta. Já não tenho o lencinho amarelo de lobito, esfarrapei-o se calhar a secar lágrimas infantis, continuo porém a gostar de jogos de pista, no fundo são meus versos jogos de pista. A diferença está em ser eu o Pinhal de Marrocos, a diferença é que a patrulha sou eu, a diferença é que não há chegada, só caminho. A semelhança é que largo sinais, que os sigo mal ou bem, a semelhança é que é um jogo semântico com alfabetos próprios da Patrulha Truta. Assim, se um dia se escrever um dicionário Paulinhês /Paulinhês, irá haver uma entrada Viena.
Falta-me só falar de amor, grave na minha condição de apaixonado e não quero que o dia passe sem me queixar de dores de peito: Sem ti o oco é mais vazio, sem ti sou triste sem sequer esperança, sem ti sou mas não sou nada, sem ti sou um náufrago sem mar, sem ti sou um planeta sem estrela, frio.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Desdorido

A nova vida começa com a chuva
Folhas molhadas, pardais no quintal
O cheiro a água lava-me interno
Schubert embala-me a escrita

Perdi. Mas não me choro
Foi perda doce, desdorida
Eventualmente todos nós morremos
Eventualmente também morreu Schubert

Quarteto como a vida dela
Nasceu, casou, pariu, morreu
Segue a música, de passagem
Eventualmente pararei também

Eventuais nunca as recordações
Prementes, perenes, usuais
A sua presença é
Eu sou ela

E resta lembra-la
E não é fardo
É doce
Desdorido

sexta-feira, outubro 07, 2005

À Mãe ( 1928 - 2005 )

De qualquer maneira é findo
O que nunca começou
Singular, a viagem acabou
Acabou, mas eu sigo indo

De qualquer maneira é lindo
O circulo perfeito em que vou
A circular coisa que sou
Que não sendo nada passa como sendo

Que não sendo ave passa como em voo
Que não tendo olhos vê como que vendo
Que tendo passado está aonde estou

Singular destino este que vou tendo
Singular viagem a quem nada dou
Vida vivida como quem morrendo