sexta-feira, julho 29, 2005

Na ponte

Na ponte que a ti leva
Há portagens a pagar
Limites de carga
Velocidade a respeitar

Sei-te margem
Alheia, mas margem
Sei-me vontade de ir
Falta-me talvez coragem

Fico aqui quieto
Mirando o turbulento rio
Despindo lentamente de mim
O que não quero carregar

Hei-de atravessar a ponte
Espero bem que ainda lá estejas
Moedas para Caronte
Tilintam na minha mão

Vou Camões em mar vermelho
Agarrado ao manuscrito
Atravessar estas águas
Levando-te o nunca dito

Só não sei se à chegada
Se abrirá minha boca
Se haverá palavra dada
Ou desculpas em voz rouca

quinta-feira, julho 28, 2005

De um tipo de amor particular que me afecta, ou dos céus de Nova Iorque, ou da Lei e suas aplicações à Alma, ou ainda de pomas muito dedicados

Dos vários tipos de amor gosto do furtivo e incompleto amor que ainda está por se exprimir, dos olhares trocados como moedas velhas de que se tem algum nojo, dos suspiros ináudiveis que se creem trespassar paredes, dos ais e uis do que será o amor de nós; gosto de esperar a primeira palavra, do primeiro olhar de franco desejo, daquela frase do Vanila Skyes pleasure delayer ( perdoa-me Penelope ) do saber que se quer e mutuamente ainda por cima e não fazer nada porque sofrer assim é bom.
Gosto francamente da espera que nos evita os nãos e as responsabilidades dos sins sobertudo, se ela nos ama e não nos diz e se nós a amamos e nada dizemos e os Se todos que servem de alicerce ao futuro do amor de nós.
Por exemplo amo agora uma menina que me perdoe se é senhora que eu francamente não sei, e é assim um ping-pong errático quando nos cruzamos dos tais olhares dos tais suspiros que de invisíveis rebentam como nuvens de trovão; agora se sou amado já não sei e mais uma vez francamente nem quero saber porque é bom sofrer assim, é uma espécie de cócega estes ses todos a rabicharem na alma, mas julgo que sim e se não ela que mo diga que eu não me ofendo.
Assim defendido o amor de nós, devia ter ido para advogado, mas não sou, sou um simples assistente e como tal assisto e não pago nada e sigo assistindo como se não houvesse fim para o espetáculo das delícias dela; assim defendido o amor de nós, devia ter ido para juíz para adiar a causa ad eternun e permanecer este amor de nós por julgar em processo convenientemente arrumadinho e coberto pelo pó dos anos e seriamos felizes para sempre até ao supremo ou amnistiados ou perdoados pelas festas.
Ai este amor por ti menina que agora ficas e daqueles que dói mesmo bem, e olhar para ti é igual a voar baixinho por entre sonhos muito altos e escrever-te poemas cheios de esperanças; ai menina se houvesse eco, ai menina se só ti quisesses, ai menina que não te vi hoje, ai menina se tu já te foste, ai menina onde estás, ai menina como estás, ai menina só.
Amor de nós defendido, e nada saber da parte contrária é contraditório, mas quero lá saber! Na justiça poética o manual não é escrito à mão, o código não segue por estradas, e se eu decido amar sou ditador de cátedra, e Amo! Segue este coração o seu ritmo próprio, e nada nem ninguém lhe dita regras; sou assim se me quiseres menina, e não vale a pena ter pena.
Agora, sem defesas, transformado este amor de nós em amor por ti, nada tenho para te dizer que já não te tenha dito: E se não ouviste, quero lá saber, e se não me viste olhar quero lá saber, e se nunca me viste quero lá saber; seguirei amando este amor de nós até que cesse, ou até outro amor de nós me faça esquecer o nosso.
Terei pena, aí sim, de me esquecer de ti mas ficam os poemas dedicados a que nunca tirarei os títulos, e se esperavas promessas esta é a unica que te faço.
Adeus agora menina, amor de nós e mais uma vez Mozart, clarinete e melancolia, que é tarde e tenho de me ir.

terça-feira, julho 26, 2005

Miles & Coltrane

Estava em casa, a olhar estes dois que tenho numa parede pintados por um amigo, e deu-me a vontade súbita de sair e ver mundo. É feriado cá na terra, primeiro dia das férias, e há um silêncio escorregadio e liso pelo ar, como uma falta. Apeteceu-me descarregar uma saudade de nada num ecrã, cuspir umas palavras para o ar virtual deste blog. Já me passa. Há qualquer coisa de viciante no escrever aqui, droga leve tem sido para mim este espacinho; qualquer dia proíbem ou taxam; até lá, vou recriando os dedos neste pianinho de palavras. Vou agora para casa ouvir o "A kind of Blue"; desejem-me boa viagem.

sexta-feira, julho 22, 2005

Outro tempo

E mais tempo transforma-se em tempo de férias; quinze dias; quero, exijo, quinze alegrias! Se não poder ser, haverá mais tempo.

Natureza

Num horizonte coberto de nuvens
Acasteladas, sobrepostas, fantásticas construções
A arquitecta natureza trabalha o efémero ar
Com a dedicação obcecada do buscador de obras primas
Para deleite das democráticas massas, esta arte pública
Sem patrono nem mecenas, sem gosto nem destino
A artista natureza não é fugaz pintadora de telas a esquecer
E apenas diletante que rabisca e rasga, que cinzela e parte
À procura de uma perfeição que sabe inexistente
À procura de um tempo imóvel que lhe pare o ímpeto
Sabendo que nada lhe parará o ímpeto
Sabendo que sempre moldará um novo ar no mesmo espaço

Dedicada é o outro nome dela
Não cessa o esforço, não dorme, não descança
Cria constante a inconstante obra, a inacabada maravilha
Cria-se recriando-se, divertindo-se com uma imensa panóplia
De cores e massas, de volumes, de sombras e vazios
Gaugain que não parou sequer nos mares do sul
Van Gogh que nunca precisou de orelhas para buscar nos pássaros a canção inspiradora
Cega como Borges nunca leu bibliotecas
Mas elas estão cheias dela, plenas da sua graça como virgens grávidas
Fecundadas pelo sopro da divina mãe terra sem pecado, que não sabe sequer o que é pecado

Nuvens do céu são elas céu mas nunca escondem paraísos
Árvores na terra são elas terra e nunca dão frutos proibidos
Pássaros e cães e formigas e homens e cobras e tudo o que se mexe
São obra desta criatura criadora, desta mestra sem colmeia
Imensa e circular natureza mãe de todas as mães e dela própria
Origem do todo e toda ela destino, fim perpétuo que nunca acabará
Inicío mítico de todos os mitos, criação sem passado
Com todo o futuro atrás e à frente, contendo tudo e por nada contida

Natureza que é muito mais transcendente que todas as transcendências
Transcendente que é muito mais natural que todas as naturezas
Nunca única porque de tão vasta se encontra sempre na própria companhia
Grande como todas as palavras que alguma vez foram ditas e esquecidas
Enorme como todas as palavras que ainda não nasceram
Inúmera como todas as palavras que conheço
Infinita como todas estas palavras todas juntas vezes mil e ainda mais

No entanto é nas nuvens que a vejo e admiro
É no fátuo e efémero que lhe invejo o brilho
Na leveza aparente do que faz que eu busco a emoção para os meus versos
Eles são obra dela, como eu sou, como esta folha que já foi árvore
Como estas palavras que pensei e agora escrevo

Sou então seu cantor, ela me fez, imperfeito, fugaz, incompleto e inábil
Mas não me importo
Tudo o que vejo, o que cheiro, tudo o que toco, ouço e que provo
São obra sua, dos cinco sentidos retiro todas as direcções e sensações
E sendo cantor, imperfeito, fugaz, incompleto e inábil
Sou assim porque assim ela me quis, sou assim porque sou dela

Dois poemas

De rimas te faço espera
Ânsias moldo com teu nome
Sinto o peito como esfera
Sem esquina a que me agarre

És de pedra magnética
Talhada a bisel de mim
Puxas-me vórtice negro
Por estas águas sem fim

Piloto já sem timão
Capitão já não comando
Horizonte apenas tu
Minha vontade é teu mando
Agora que faço das palavras oficina
De um artesanato imaterial de som
Agora que construo em rima nada
Só bordados de tinta negra

Faltas-me tu que eu queria modelar
vestir de versos e tons
Fazer minha nos rebolares da língua
Que transcrevo aqui

Agora vou pintar a natureza morta
Em tons de cinza e luto
Agora vou esperar como antes
Alguém que me faça desenhar

De letras uma vontade de ser
Mais do que fui ontem
Mais do que fui hoje
Mais do que tinta e som

Da semelhança notável entre culinária e arqueologia, ou da paternidade de meus versos ou ainda da loucura como liberdade provisória

Quando eu era pequenino queria ser cozinheiro depois cresci e queria ser arqueólogo, agora faço as duas profissões nos versos que escrevo. Pego no ingrediente principal eu e preparo-o com minúcias ou o sirvo inteiro assado no forno só com pimenta e sal, ou corto-o em finos filetes a que acrescento molhos raros, ou pico-me e sirvo-me cru, ou...Pego em mim sítio e vagarosamente escavo camada após camada medindo, tirando fotografias, colocando cada pedacinho significativo em pequenos sacos, às vezes descobrindo muito, às vezes encontrando nada.
Sou assim um misto de escavador e preparador com o fim específico de me apresentar ao mundo por um lado revelado em sabores e cores por outro livre de segredos e do pó dos anos. Os meus versos serão então culinária antiga servida ao futuro, comida nova descoberta por acaso e de trabalho imaterial, pratos finos ou tradicionais repastos.
Não são é eu, não são a minha circunstância, são meras receitas de uma comida mais ou menos comestível, que sabemos que surgiu de uma cozinha, que sabemos extraída à terra; eu estive lá na origem deles isso é certo, mas não são eles fotografias, nem sequer linótipos, nem sequer xilogravuras, nem sequer histórias distorcidas pela tradição oral dos séculos.
São muito menos que isso: São vestígios de uma existência; podemos saboreá-los, podemos vê-los, mas não podemos, nunca, entende-los.
Houve uma altura que eu escrevia para ler-me, agora deixei-me disso, só escrevo para passar o tempo, para afiar a língua para sabores novos, para carnes mais rijas. Agora só me interessa o som dos meus versos, o seu sabor; se me interessasse o sentido ia para Filosofia, nunca para Psicologia que doido já me sei, e ainda bem.
Quando ainda não era doido tinha problemas, mas agora a consciência clínica da minha loucura libertou-me de uma forma nova, criou-me uma anarquia sensual em que tudo o que me rodeia pode ser aceite; aceite, não experimentado, que isso já não é loucura, é inconsciência, e a minha loucura, sempre presente por definição, oscila entre pazes e guerras.
Assim sigo, louco sazonal, entre comprimidos e esperanças, arqueólogo como quis, cozinheiro como quis, fabricando versos de som forte e sentido inútil, desenterrando passado eu ou cozinhando presente mim.
Amo meus versos como outros amam filhos, é certo, mas de pai tenho a forma severa que apenas reconhece defeitos, nunca qualidades, e assim trabalho-os como os educando; o que quero deles? que cresçam, que arranjem um emprego, que se casem e que me dêem netos, apenas isso; o que podem eles esperar de mim? São versos, nascem feitos e completos, de mim já não esperam nada.
Sou seu pai louco que ocasionalmente visitam entre outros sons que ouço, entre outras vozes que escuto; Sou seu pai louco que os abandona mal nascem depois de os deixar cair dos dedos sobre as teclas olhando-os depois como se saídos de garganta alheia.
Não sabem, não podem saber, que os visito muitas vezes, que lhes altero virgulas como quem penteia cabelos rebeldes, que lhes tiro palavras como quem aperta botões, que lhes troco ordens como quem lhes veste mais uma camisola que hoje está frio.
Sou o pai louco amantíssimo mas mudo que eles falam por mim e basta.

Hors de Série ( a S )

Onde deixei Amor a vontade de Teus olhos
Traduzida
Onde ficou escondida a carta d'essas estrelas?

Já não sei ler, eu que nunca soube falar
Cego mudo à sensação de Ti

Ver ainda vejo
Mas meus olhos são ferramenta romba, inútil

Palavras ainda as digo, mas tão baixo
Que mal afloram esta garganta seca de sedes de Ti

Queria escrever as Enormes Letras de Amor
Nos panos de Teus vestidos
Queria gritar paixão em Teus ouvidos

Mas fico passageiro d'outra barca
Rumando meus infernos pessoais
Mas fico sinaleiro sem sinais
Lamentando quieto a vista fraca

Ouve Tu
Agora
Sê Tu vista

E se quiseres peça este monólogo cego
Encena-a Tu

Eu estou além naquela praia olhando o Azul
Esperando por Ti

Sê meu Sul

quinta-feira, julho 21, 2005

Aguardo Sereno

No vai e vem dos dias vou no sol na ausência da chuva. Ontem a noitinha a olhar o Douro a entrar no mar como amante delicado e doce, lembrei-me d'outros dias, d'outros Douros, e por uma vez não senti saudades. Velha chama, velha chaga que agora sinto sarada. Ainda dóis, doerás talvez sempre, quando sigo as linhas que te escrevi, as linhas em que te cosi em lumes brandos e fortes; nas tuas ausências, traições e prazeres, na lembrança do teu rosto em que eu pintava raros êxtases. Foste, e na minha vida deixas-te uma espécie de buraco, uma boca d'inferno onde borbulham marés mas que não há água que encha. Mas não criaste vazio. Ainda me resta aqui, no que eu gosto de chamar peito, vontade de mais. Masoquista, o coração busca, ainda, unhas que o arranhem; Ligeiramente sádico, procura, ainda, alguém a quem fazer sofrer amores. Pedi, confesso, ontem às musas do Douro, uma sereia como a do Gil, que disputariam o poeta mim e o esfomeado eu. Aguardo sereno.

Ontem fui ao Porto ( poema já antigo )

Quase em Campanhã, cruzando o Douro
À esquerda Dª. Maria, velhinha frágil
À direita a do Freixo, ao sol
Parecendo como que digitalizada, a ponte
Truque fotográfico

Depois São Bento
A descida para a Ribeira
Ao cimo, a Sé
E sempre o sol
O sol do Porto, raro e nobre
Pujante, amigo brando

E o rio lá em baixo
Que sempre corre
E o Pilar visto após a D. Luís
E uma patanisca e uma cerveja preta

Tasca antiga, no televisor o Telecine
Um filme de monstros
E eu penso que a realidade é estranha
E refugio-me na ficção de outra cerveja preta
A patanisca a saber a mar e a sonho

Vou para a Foz
O sol põe-se
Adeus, amigo brando
E um charro e uma cerveja deixam-me triste
E o sal que o vento trás deixa-me amargo

Agora estou num bar
O House toma conta de mim
O vodka-limão sabe-me a Verão
E o som cardíaco faz-me desejar-te

Pequena, o umbigo redondo na barriga firme
Peito de rola, pernas de garça
Caracóis pretos tapando a cara
Uma blusa branca como o dia claro

Volto a S. Bento, que a estas horas é cor de laranja
Falta uma hora para o sol nascer, para o comboio partir
Espero, sentado nos degraus da estação
O frio húmido do Porto luta contra o sono
O sono ganha
E durmo

Depois de ti

Vi teus olhos pretos fitando, imóveis
As ondas do mar
E vi nesses olhos desejo de sê-las

Vi em teus braços o vazio
E o abraço que apertado lhe deste

E vi-me impotente marinheiro
Incapaz de dominar as tuas vagas
E vi-me de quilha quebrada
Incapaz de encontrar um rumo em ti

quarta-feira, julho 20, 2005

A M.J.

Pois. Pari um blog e tu és o pai. Sou mãe solteira, mas não me sinto só.

Mahler ( a quarta )

Estou a ouvir Mahler e a pensar em ti, e não encaixam; ainda bem. Mahler é uma paixão antiga, descoberta aos poucos, sinfonia a sinfonia, liede a liede; um conturbado monumento músical, um promontório esquartejado de som, ángustia e fúria; de beleza e serenidade também. Tu és uma incógnita. Cabe tudo na expectativa de ti. Banda sonora, a quarta, a seguir, as canções de um viajante. Pedacinhos de música irão eventualmente colar-se à imagem de ti, tonalidades lembrarão o som do que dizes; porém não quero ler-te Mahler, saber-te enquadrada em música alguma. Vou continuar a remar esta quarta, como se tu fosses costa e eu longe, cada vez mais longe.

terça-feira, julho 19, 2005

À minha geração

A minha geração foi roubada dos clássicos. Tiraram-nos 2/3 da nossa Cultura. E nós achamos que éramos Modernos. Agora andamos a tentar pôr-nos a par. É tarde para mim. Envelheci mais depressa sem Eles. Perguntei muitas perguntas já perguntadas, respondi o mesmo que alguns, respondi diferente de outros. Não fui é nunca Moderno. Moderno é o que segue Clássico. E a mim roubaram-me os Clássicos. Nunca serei Moderno.
Serei talvez Pós-moderno. A ideia agrada-me. É snob qb. Têm a qualidade culinária que torna uma palavra desejável. Pelo menos o meu apetite é Pós-moderno. Eu explico: é numa primeira fase analítico, numa segunda fase sintético; primeiro descodifica as referências, depois constrói baseado nelas: Não mais a criação é vista como inspiração, senão como participação. Numa época; num movimento; numa facção.
Os Clássicos inspiravam-se. Havia mais ar, mais espaço. Tinham Tempo. Os Modernos inspiravam-se nos Clássicos. Menos ar, espaço e Tempo. Mais saber. Menos inspiração? Os Pós-modernos descodificam. Nunca serei Pós-moderno.
Eu não descodifico. Não é necessário. Basta saber todas as cifras, e todas as linguagens serão legíveis. O meu Universo é o do código binário. Não há mistérios no meu Universo. Qualquer um lê zeros e uns. No meu Universo não há Analfabetos.
A minha geração foi roubada dos Clássicos. Não somos Modernos. Não queremos ser Pós-modernos. seremos os Clássicos sem ar, Tempo e espaço. Vamo-nos inspirar em nós mesmos; criar a Nova República, desta vez sem cavernas, habitar Utopias do tamanho de continentes emersos. Pensar sem ter espaço para existir, procurar um Tempo perdido pelos que nos roubaram dos Clássicos. Que imensa perda de Tempo. 2/3 de perda de Tempo. Nunca serei Pós-moderno.

segunda-feira, julho 18, 2005

De 14 de Julho a 7 do mesmo

Dia de deitar abaixo prisões
De espatifar cadeias
De correr ruas gritando Liberdades
Tão velhas estão

Agora é tempo de novas fortalezas
De fechar fronteiras
De escutar conversas

Estão entre nós os inimigos
São nós
Ligeiramente mais escuros
Ligeiramente mais cheios de Fé
Ligeramente diferente

Nós exaltamos os cinco sentidos
Eles perferem cinco orações diárias
E há quem pense incompatibilidades
Fatais

Não se lembram das Bastilhas
Já só gritam Guantanamos
Não aprenderam nada

Dias destes fazem-me duvidar Deus
Apesar de ainda O escrever de Maiúscula
Dias destes fazem-me duvidar Homem
Apesar de me saber um

Tudo normal em Queluz Ocidental
Tudo bem no melhor dos mundos possível
Amanhã outro dia, forçosamente melhor
Vai nascer

Vamos contando mortos
Com esperança que sejam tantos, tantos
Que sirva a conta de anestesia
que o número seja divisível por cinco

Talvez amanhã seja o dia
De aprendermos o sexto sentido
O sentido prático

Entretanto vou duvidando Deus
Fortalecendo-me Homem
E numa oração por dia
Rezar a Paz

quinta-feira, julho 14, 2005

Voos

Com a repentina vontade de voar sobre telhados rubros
Sob o céu azul e o sol a pique
Olho andorinhas como a olhar oásis

Voar assim com a geometria louca de perseguir insectos
Saciar-me em voo os pios a soar a angustiados gritos de guerra
Ângulos absurdos volteares fantásticos
A asa preta dobrada na velocidade mágica da caça

Sinto o peso dos meus pés que o calor mais cola à calçada
Olho esparvalhado o ballet carnívoro olho esbugalhado
Queria as minhas costas duas pesadas asas
Que batidas me elevassem à altura das igrejas
Queria o vento sob elas a fazer-me subir majestoso

Não me é dado porém, por este Deus cruel, senão o olhar
E assim fico soldado na calçada a cabeça inclinada atrás
a seguir voyer as curvas magnificas das minhas amigas aladas
A sonhar meu o acrobático voo da andorinha negra

Schubert e andorinhas

Na manhã surpreendentemente cinza deixo a casa recebido na rua por um bailar de andorinhas, por um coro de pios estridente. Ao trabalho, cinco dias à semana a rondar as nove. Hoje é Julho cinza o tom do céu, e o calor parece ter ido de greve, e o ar do mar já ali parece que nos beija com beijinhos de sal. Ao trabalho e subidas as escadas chego aqui e escrevo ouvindo Schubert, sonhando já as cinco e liberdade. Tenho meus dias de andorinha, este é um deles, só quero céu e pios estrídulos. Felizmente o calor abandonou a pressão, foi provavelmente ver o mar que é o que eu faria se pudesse. Bem, passará o dia, este dia de pássaro cinza, outros chegarão, tavez de côr diversa. Entretanto valhe-me Schubert e as andorinhas.

quarta-feira, julho 13, 2005

Outros Padrões

Queria medir o tempo sem relógios
Só com andamentos de sinfonias
Ou capítulos de livros

Queria deixar passar os segundos-som
Os minutos-parágrafos, as horas poemas sinfónicos
Os dias feitos vidas de mil páginas

Queria esquecer o tic-tac incómodo
O som maldito do despertador
A badalada fúnebre
O repicar a batizar ou a casar

Não gosto dos sinos da minha aldeia
Ou dos mostradores oficiais dos bancos
Perfiro o som dos pássaros
O guinchar de fome das crianças a chamar p'ra mesa

Perfiro o rumor das estrelas e as canções da brisa
O mar de Debussy entrando pelas quatro estações de Vivaldi
As montanhas mágicas onde morrem os dias de Inverno
Os verdes campos que fluem pelos verdes anos

O som pulsante, arritmico da vida escrita
O som divino das batutas dos mortos
Soprados das pautas amarelas
Faiscantes como superficies de cd's
Perenes como o tempo e como o nada

The Queen is Death

Comprei este cd numa tripezinha de saudade aos meus oitenta, aí à 15 dias; estava de saldo, coisa que não se faz aos Smiths, mas bem...Depois aqueles muçulmanos devotos resolveram publicitar a fé, e eu , cada vez que via o autocarro cantava em surdina "and if a double-decker bus crashes into us to die by your side such a heavenly way to die". A faixa chama-se "There is a light that never goes out". E eu, que acredito que profetas são os que acertam, mesmo ao lado, passei a achar que hinos pop podem ser tão válidos como turbantes irados, e que morrer apaixonado por alguém e morrer apaixonado por si martir de fé não é a mesma coisa. A luz deles apagou-se. A minha ganhou um hino.

Carneiro

Descobri no meu perfil que sou carneiro. Para quem nasceu a 4 de Julho, é chato. Roubaram-me praticamente dois meses. Para quem pedia mais tempo, acrescentaram-me idade; não cronológia, astrológica. Acertaram no macaco. Não se perdeu tudo.

terça-feira, julho 12, 2005

Mais Tempo

É o que hoje me apetece. Sendo um começo, parece um pedido humilde de continuação. Não é; é a constatação obvia de que ele existe; para lá das medidas; para lá das visões; para lá. E é para lá que vamos, para esse tempo maior do futuro de todos. Porquê mais tempo, então, para começar? Sinceramente, porque me apetece.