Com as cabriolas carnavalescas à porta, o eu das máscaras vai ter de escolher só uma. Redutor, como festa. Mudar de cara para outra cara, e eu tenho tantas que me parecem uma prisão espiritual. Já fui de índio, de bruxa, de pierrot, já fui de ronin e de noiva; houve um ano que eu mais quinze enchemos Ovar de estátuas da liberdade, verdes e belas como a real americana. Este ano não me apetece. Vou disfarçado de incomodado.
A terra tremeu ontem, aqui foi um soluço, como se uma rajada de vento mais bruto mexesse as coisas. Pôs-me a pensar na fragilidade e na inconstância, de como a terra às vezes treme no fim dos amores, e como os amores que acabam não impedem a terra de tremer de novo. Agitações.
Vou sair pelas ruas encharcadas de cerveja e samba, vou ver se vejo uma folia que me sirva, que me trema e me agite. E vou procurar uma cara no meio das máscaras. E não vou ter, como habitualmente, nada mais que um copo vazio e uma alma cansada. Vou de incomodado; voltarei acomodado. Três dias, três anos, três séculos. Como tu demoras, tu que já devias estar aqui. Para eu saber quem és, no meio do baile, disfarça-te de desejo. Eu vou sentir-te, seguramente. Se a terra não tremer.