quarta-feira, outubro 19, 2005

Da infinita paciência das horas ou da cor de Deus ser como um nome ou de como Camões nunca chegou a Timor ou ainda do Amor que por ti tenho

O tédio das horas a escorrer devagarinho na ampulheta, os segundos a tictaquear lentos como lesmas grávidas ou caracóis assexuados, os minutos montanhas inescaláveis, picos imensos de tão altos. Aqui estou eu mais uma vez fazendo espera como coisa construída, voluntária, como se esperar fosse já chegar lá, não sei onde, talvez ao futuro de mim. Aqui estou eu mais uma vez a compor palavras como música e a chamar-lhes versos não sabendo nunca se são sinónimos de avesso ou donde lhes veio o nome. E penso que a ignorância socrática de que me orgulho é por vezes só ignorância, e de como tenho de ir ao Torrinha mais vezes.
Hoje faz-me companhia Verdi que é cor que me agrada nas relvas e nas árvores, é o Requiem mas não me soa a fúnebre, soa-me a homenagem às almas eternas e sendo-o todas elas soa-me bem ( gostaria que um dia me fizessem um Requiem que fosse do tamanho de um adeus pequeno, assim uma nota breve e já está ).
Uma vez fiz um Requiem a um Império, não me saiu lá muito bem, mas naquela altura estava furioso e a raiva, excluíndo as do Progresso, é má conselheira. Esse Requiem não era como este, era um às almas danadas, que as há também, normalmente feitas da forma das ideias mais puras e dos ideais mais nobres. Pairam sobre nós como se as nuvens as sustentassem, apontam caminhos do assento etéreo onde subiste, que me desculpe o Camões e dizem: É por ali! E normalmente vai tudo atrás, ofuscado pelos brilho, pelas purezas, pelas certezas, e normalmente dá asneira, no caso deste Império deu, e da grossa. Mas é passado, está enterrado, vamos fazer uma fogueira e cantar canções tristes e partilhar o futuro daqui visto risonho e vamos esquecer o que vimos, donde vimos e aprender nada. Vamos cantar esperanças mortas em ventres estéreis sem o saber, porque não aprendemos as lições da História e achamos que a fome de hoje é maior que a de ontem.
Chamava-se Santa Cruz, o Requiem. Ai mar azul abre o teu peito afunda o passado do meu Povo e a ironia cruel de ser lá que começou a Cidanadia Timorense. Meus irmãos de bilhete de identidade, hoje divorciados pelas marés da História, resta-nos a língua. Tratai-a bem, e tu Presidente que também versejas sê feliz, mas não te esqueças: We should forgive but not forget.
Verdi continua felizmente a ser uma lição de elegância formal, que agora apetece-me ser pedante e falar caro e fino, o que a mim não é difícil. Gostava de saber latim, mas nunca mo ensinaram e agora não percebo nada do que estes tipos estão para aqui a cantar, resta-me a música que não necessita de tradução. Dies Irae sei o que quer dizer, deve poder-se traduzir como cães danados que cada um tinha a sua cor mas eram todos assasinos e raramente vi tanta ira divina condensada em tão poucos homens.
E é assim a espera que construo sem direcção que não seja o texto descendo pela página ao correr da pena como se ainda houvesse penas, as de pato parece que eram as melhores. É assim esta ausência de assunto que se torna espiral descendente, vórtice de ideias dispersas comprimido em frases feitas de tudo e de nada. Escrevo e nem sei o quê, se versos, se prosas, se são coisas novas, se monumentos feitos na ignorância do que se celebra, se criaturinhas maldosas a ditar-me ao ouvido heresias modestas. Escrevo só na certeza que consome tempo e espaço que afinal são a mesma coisa para o poeta em mim.
Aos construtores de catedrais movia-os a certeza de Deus, a mim move-me a certeza de mim, do concreto de mim, da beleza de mim como coisa criada e integrada na beleza geral do Tudo. Sou crente, profundamente crente nas origens e nos destinos e sei-os iguais em valor e peso. Só não sei se chamo Deus quando acredito na transcendência do Universo, se rezo quando digo para mim que há futuro, se é oração acreditar na unidade absoluta das coisas.
Ora, digo para mim, no livro que um dia alguém escrever narrando a história deste Mundo estarão as respostas a todas as perguntas. Ora, digo para mim, não vale apena cansar as meninges com a metafisica, que por ora passam as minhas horas como camelos lentos em Arábias deserticas, como rios lentos debaixo de canículas ferozes e resta-me olhar o céu sem estrelas e gritar teu nome, por ora resta-me saber de mim completo Homem Pensante, cheio de dúvidas sem resposta e portanto irrelevantes, cheio de sonhos impossíveis e portanto irrelevantes, cheio de música e portanto feliz.
Chamei a Truta ( a do Schubert ) em meu auxilio e valeu a pena. Quando era escuteiro e sempre alerta a minha patrulha era a dos castores, agora sou da patrulha da Truta. Já não tenho o lencinho amarelo de lobito, esfarrapei-o se calhar a secar lágrimas infantis, continuo porém a gostar de jogos de pista, no fundo são meus versos jogos de pista. A diferença está em ser eu o Pinhal de Marrocos, a diferença é que a patrulha sou eu, a diferença é que não há chegada, só caminho. A semelhança é que largo sinais, que os sigo mal ou bem, a semelhança é que é um jogo semântico com alfabetos próprios da Patrulha Truta. Assim, se um dia se escrever um dicionário Paulinhês /Paulinhês, irá haver uma entrada Viena.
Falta-me só falar de amor, grave na minha condição de apaixonado e não quero que o dia passe sem me queixar de dores de peito: Sem ti o oco é mais vazio, sem ti sou triste sem sequer esperança, sem ti sou mas não sou nada, sem ti sou um náufrago sem mar, sem ti sou um planeta sem estrela, frio.

3 Comments:

Blogger maria said...

Do que gosto mesmo, nas letras, é de palavras corridas, deixadas escritas ao correr do vento, ao sabor da cor que elas próprias definem e no jeito que cada uma escolhe.
Gosto da liberdade que as palavras decidem usar e fazem de nós meros redactores, executantes desta coisa visceral de trazer à luz e fazer nascer das sombras, palavras-filhas como quem canta.
Gosto destes versos narrados e destas composições presas ao infinito descuido dos sentidos, do sentimento.
palavras aladas.
pensamento evolado... como a paixão, imprudente
Só há caminho, dizes, algures, nas rectas velozes deste escrito... só há caminho e é num qualquer futuro que te vislumbras, é?
É nesse emaranhado de vias largas, estreitadas, mais longas, muito mais distantes que, por vezes, se perdem os destinos. Ler-te ajuda a encontrar (novo)Rumo, outras viagens, melhor partida.
Até que, num instante qualquer de uma hora que ainda não se vê, lá à frente depois de muito andado, há-de encontrar-se a luz do sentido, creio eu... de novo. Ainda!
E... cada um de nós (só) por si é (tendencialmente) planeta frio, mas em busca da Estrela.
e... escuta:
Hoje, deste-me luz de novo, energia!

quarta-feira, outubro 19, 2005  
Blogger Rosario Andrade said...

Tao lindo...
E como sempre o Amor a dilacerar as nossas certezas, a escavar-nos no peito abismos inflamados.
"move-me a certeza de mim, do concreto de mim, da beleza de mim" e no entanto, "sem ti sou mas não sou nada" !...

Abracicos!

sexta-feira, outubro 21, 2005  
Blogger maresia said...

fiquei rouca com o título, depois fiquei muda com o últímo parágrafo. palavras para quê se o que sinto não é fraseável?!

quinta-feira, outubro 27, 2005  

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