segunda-feira, junho 11, 2007

Lorvão

E no deslizar do dia sinto a pela a arder de uma fricção mole, um queimado deste sol que se esconde entre nuvens altas, e sorri, com a breveza de um adeus e se esconde, sempre queimando o braço, sempre perlando a testa. A memória ondula-me como chapa, em vales e picos, e assim não é bem como chapa, é mesmo como vales e picos. O Hospital da minha doença vai fechar, vou continuar um doido à solta, é bom. Era das Freiras, era do Estado, agora já não é, e fica o meu Peniche de onde nunca fugi senão nos sonhos exarcebados, quanto as drogas deixavam sonhar, que era pouco. Sinto-me mais só sem o meu asilo.

Nas noites brancas que continuo, vejo o que me deixa a vista cansada. E vejo muito, e vejo nada, na neblina fina do álcool e do fumo, na embriaguez dos perfumes, nos declives dos decotes, nos canyons dos jeans, Na perna grossa que me afina, no braço fino que não me enrosca. Não me sinto aqui só. Este asilo não acaba, pelo menos não acredito. Enquanto houver doidos disto, pelo menos. Os doidos daquilo, esses já não tem Peniches. Os doidos disto tem todas as noites de todos os sítios.

Amanhece quando tiro a cabeça do buraco, e atravesso a cambaleante ponte sobre o rio de aço. Lá vou outra vez para a minha caminha de solteiro, o meu edredão cor de vinho que só se enrosca a mim. E continuo a não me sentir só, quero é dormir e se puder sonhar com tudo e com nada, desde que não me lembre depois, tenho medo que com os sonhos concretos venham as discretas drogas. Já não no velho convento, definitivamente. Ainda não sei onde me vão matar os sonhos daqui em diante. Agora, no rio de aço, isso não me importa lá muito. A única distância que vale agora é a da minha caminha de solteiro. Do meu edredão virginal, na sua cor bêbada dos sonhos esquecidos.

5 Comments:

Blogger Sophie said...

Neste breve instante de cada palavra, grito, verdade...
Este teu breve instante, encoberto pelo som do silêncio, milagre que nos engana, realiza sonhos, ilude realidades, espera pelo desejo de identidade absoluta, igualdade de dor, amor... tormento.
Neste teu breve instante de palavras sentidas, de quem ama, sem lógica... o absorver do seu corpo de tudo o que pensa, que sofre, fazendo já parte de si... confundindo-se... inserindo em sua pele um soro de esperança que subtilmente desterra a sua imensa fragilidade...
... fragilidade que respiras suavemte e com um sorriso a bebes incessantemente.

Um XI enorme.

terça-feira, junho 12, 2007  
Blogger Joaquim Amândio Santos said...

sacodem a solidão, por entre as migalhas de poeira, cada um dos passos firmes num passeio solitário.

para lá da estrutura auditiva, o ninho de palavras de um escritor sorve todos os ruídos que volteiam no mesmo mundo das cores, na mesma dimensão dos animais, plantas, construções e pedaços de natureza que se espalham ao longo da vida desse percurso.

eis o que pulsa no fervor da escrita.
cada página um campo de batalha, cada palavra uma adaga desse convicto vampiro do mundo de todos, de todos quantos agora foram sorvidos pelo seu mundo!

quarta-feira, junho 13, 2007  
Blogger paulo said...

Os vossos contributos para o meu prazer de escrever. Partilhar mais a sensação que o sentimento. Fruir; da língua; de transmitir com ela ( mais que comunicar ? )? O prazer de escrever aqui é este, também ( sobretudo ) de virar a página e dar, porque não, com uns olhos. Que podem não saber, nem querer saber, mas apenas ( ? )partilhar um espaço já de si comum. Neo-intimidades? Prazeres partilhados!

quarta-feira, junho 13, 2007  
Blogger Frioleiras said...

LOrvão... há mt tp...
chovia , esatava escuro... e tive medo,
então !

sexta-feira, junho 15, 2007  
Blogger paulo said...

A primeira vez que lá entrei pensei que estava a entrar no castlo do Drácula. Pensei que não voltava a sair. Mas saí, e sobrevivi à masmorra. A masmora é que não me vai sobreviver. Uma história de liberdade, enfin.

sexta-feira, junho 15, 2007  

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