Coelhos
Fosse a vida corrida de carros motorizada lubrificada de pneus chiantes e pista definida, com curvas estrategicamente delineadas, feita para pilotos de grandes máquinas e grandes motores e mãos sábias em volantes redondos e fáceis. Fosse a vida plana e em circuíto fechado. Fosse possível ensaiar, medir, repetir até à perfeição última. Mas não é. É a estrada longa, tortuosa, cheia de atalhos cegos, declives e ravinas. Cheia de portagens, de pontes impossíveis, com o piso irregular e massacrado de todos os que a correram antes de nós. É certo que há sombra e regatos e sítios onde comer e dormir. Mas também há o troço intransponível, o dilema trágico, a morte brusca.
Assim, há quem desista de andar. Mas a vida é o tapete rolante da estação do Cais do Sodré sem os coelhos da Paula Rego, e anda sozinha nos nossos pés e leva-nos até outro lado, quer queiramos, quer não. Assim, não se pode desistir sem saltar, e lá em baixo estão os comboios, e doí, ou mata. Vida sem coelhos e com comboios assassinos. É melhor então espreitar a curva próxima, esperar o bom. Ou andar de olhos fechados, esperando não ver o caminho, e não ver o medo.
Tive uma amiga que me emprestou um livro sobre uma gaivota que se transcendia. Eu prefiro os coelhos sem toca, grandes como uma casa, que velam invisíveis marginando o tapete. Mas ocorre-me por vezes transcender-me. Só que não consigo. Vou espreitar então a próxima curva, pode ser a vez da esperança.
2 Comments:
paulo, vim matar saudades do teu tempo. demorei-me por aqui a ler-te. ando à procura de palavras. quero aprender a escrever. mas sou muito pequenina. bom fim de semana!
beijinho grande.
É sempre tão bom ler-te... toca cá dentro, entranha-se e dá força para continuar. Tu deste-me essa força, acredita, todos os dias me lembro da tua frase: "quem não me quer, não me merece", é isso, tens razão.
Obrigada pela força, resolvi que devia continuar a escrever, nem que para muitos sejam parvoíces, mas são as minhas parvoíces.
Um XI SEMPRE!
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