terça-feira, novembro 08, 2005

Café

Vinhas devagar, como todas as manhãs, com ar cansado. Eu esperava por ti como todas as manhãs, sentado no café a beber café. E pensei na ironia repetida de aqui estar todos os dias à mesma hora, a fazer a mesma coisa, a esperar por ti. E pensei por que esperava e não soube responder. E pensei o que esperava de ti e não soube responder.

Bom dia, repetimos, e sentaste-te de novo, e de novo um café também pediste. E eu senti o vazio que emanavas e o fascínio do abismo atacou-me. De novo. Mas não saltei. De novo. Senti o risco murmurar-me ao ouvido palavras doces mas não o quis ouvir, e pedi mais uma bica. Tenho sono. Tens sempre sono. Manhã após manhã e nunca mais é sábado, manhã após manhã e nunca mais é domingo, manhã após manhã e nunca mais chega segunda para te ver de novo com o teu ar cansado. Bom dia. Bom dia. Café.

Fumas demais. Falo demais e nunca digo o que penso. Corro demais e nunca chego em primeiro. Quem foi ontem? Ciúmes. Dor pretérita por na manhã seguinte saber que não fui eu na noite passada. Paixões. Noites em que sonho manhãs em que chegaremos juntos e em coro pediremos café. Mais um. Faz mal ao coração. Faz mal ao coração esta espera constante. Ansiedades. Penso demais. Café. Dá-me um cigarro. Dá-me um beijo. Outro dia. Mais um dia. Bom dia. Bom dia

1 Comments:

Blogger maria said...

:)

Fantástico! Sei que já te disse isto antes mas é sempre bom lembrar: Gosto imenso quando escreves corrido, neste registo de narrativa! Percebo melhor, sou como a Rita (Olá, riquinha!): a poesia, às vezes, baralha-me... assim, em conto, em forma de história que nos sai directinha, em palavras coladas num ritmo que só elas escolhem e só a pontita dos dedos conhece bem antes de aparecer escrito o que antes nos corre por dentro.

Gosto do modo como escreves dúvidas e certezas, esperas e (re)voltas, dias e mais dias, horas que se estendem e, as outras, que se esvaiem sem se lhes saborear a cor, a força, a energia, a alegria e... daquelas de que parece que teimam e ficam n'outra textura, da dor...

Gosto desta escrita que me é tão mais visceral.

Gosto de ir sabendo de quem escreve, escrevendo-se assim, como quem diz o que sem palavras faladas expressa melhor!
...
Oh, estou "mono-palavrística", hoje... só me sai este Gosto, Gosto, Gosto! é que Gosto mesmo muito de te ir sabendo assim!
(Também!)

xi

quarta-feira, novembro 09, 2005  

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