quinta-feira, junho 08, 2006

Trepadeira

Debaixo do peso solar como moeda cunhada repetidamente batido por um mar de vaga inclemente à costa flagelado de onda inconstante e sal sou o corpo mas já não sinto nem vontade de saber-me. A palavra que fabrico não é balsa de fugir à ilha de mim, nem arte vã que deixe depois de ir, é mera coisa que faço como faço outras coisas como olhar o céu reparar na nuvem procurar a sombra respirar ar porque sim ainda resta fôlego nos pulmões velhos, as mãos ainda agarram já não sabem é dirigir-me noutros caminhos que não circulares.
Tomo o rumo do passado sempre que lembro a via do futuro sempre que aspiro mas já não lembro nem aspiro; Tenho fome sede e estou cansado mas não quero nada para a fome a sede e o cansaço; quero cessar como cessa o dia apenas sem poente dramático, sem cores no céu um sol engolido por um mar azul cinzento negro e fim. Mas na minha mão que parou o gesto não há vontade sequer de cortinas, e um receio que acabar aqui seja outro começo é mais forte que desistir. Só isso me prende, acho; o medo de mais.

Valido-me a mim próprio como quem carimba um selo, como quem corta uma fita, como quem geme depois de um orgasmo. Sou que remédio um remédio paciente para um paciente crónico e a crónica não me saí, nem a desejo. Desejo? Vontade a mais de ser mais que um risco numa folha que já nem faço, um ramo a mais na trepadeira que eu mesmo podo. São trombetas vermelhas às centenas as flores da minha trepadeira, mas não soam. Fazem sombra, e caem sem ruído. Há dias que queria ser elas.

4 Comments:

Blogger alice said...

um bom dia, paulo

post auto biográfico?

beijinho

alice

sexta-feira, junho 09, 2006  
Blogger isabel mendes ferreira said...

há dias assim...em que querer é tudo. querer o nada....


absoluto delírio....


bom fim de semana Paulo....poeta assim sem ruído dissonante.

abraço.

sexta-feira, junho 09, 2006  
Blogger Titá said...

Dolorosamente bonito e expressivo este texto.
Beijo

sábado, junho 10, 2006  
Blogger isabel mendes ferreira said...

andando por aí?


trepando nos dias?


deixo só um abraço. com ligação ao tempo.

domingo, junho 11, 2006  

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