segunda-feira, janeiro 16, 2006

Da carta, suas variantes, do amor cortês e do futuro

A propósito de cartas lembrei-me de papel de carta. Agora já não há. É tudo normalizado pelo omnipresente A4 folha branca processada no omnipresente Times New Roman tudo pronto com envelope de janela, meu deus cartas e janelas fazem-me lembrar namoros à antiga quando damas debruçadas nos balcões namoriscavam valetes de lindos bigodes mas isso já era nas cartas de papel e é uma outra estória. É um mistério, o papel da carta. Dizem que uma boa mão pode ser muito, mas um bom jogador é tudo. Eu não sei nunca estive muito interessado em ganhar, e nem sequer no desporto, o que eu queria era achar-me para lá do jogo, num sítio sem memória do jogo, um paraíso terreal onde estivesse ausente a escolha e se pudesse escrever cartas em papéis etéreos e jogar todos os papeis onde se quisesse e onde reciclar fosse desnecessário e desperdiçar fosse belo como pérolas a porcos e pais nossos a vigários. Plaquinhas de barro antecederam tabuinhas de cera antecederam pergaminho antecederam papel e aqui acaba a história da carta. Agora já não há papel, e nas magras finanças procuramos desesperados as vacas gordas sonhadas pelo atravessador de rios mas as pontes são poucas e todas com peagem e do outro lado não sabemos o que há por isso vamos ficando, como árvore velha a que cortaram os ramos, como suspiro de um ai longínquo. Cartas. Papeis. Pontes. Permanência. Caminho. Damas e bigodes, olhares trocados como se houvesse preço que pagasse uma memória não tida. Nem ida, nem achada. Tudo isto pelo papel das cartas, ou o papel de carta, ou as cartas de papel. A vantagem da textura é que é palpável, da tessitura também. A vantagem do papel continua a ser a memória que temos do sem ele. O escudo do papel ( e agora que já não há escudos de papel ) é a estrutura celulósica da recordação humana. Papel é vida destilada. A carta-mapa do ir além, mais.

5 Comments:

Blogger sereno said...

Nao ha nada melhor que sentir as palavras.
Dar-lhes vida mesmo que nao sejam enviadas ou mesmo que nao sejam de amor.
Elas nao morrem, so sabem nascer.

terça-feira, janeiro 17, 2006  
Blogger Mãe said...

Cartas. Papéis. Palavras.
Ler. Sentir. Saborear.

terça-feira, janeiro 17, 2006  
Blogger paulo said...

Caro Vigário:

Começo por lhe afiançar que o Vigário referido no texto não é de maneira nenhuma V. Exª. É uma metáfora, abençoada, mas uma metáfora. Quanto às cartas de jogar, vem referidas, nomeadamente damas e valetes ( os reis possuem barba ). Poderia referir que são 52, e quer-me parecer que é uma para cada semana do ano; Quatro naipes serão as quatro estações; o facto de existir uma hierarquia em que a carta numéricamente mais baixa ( o ás ) ser a mais poderosa, será talvez uma expressão indicativa do circular do mundo, e da instabilidade das posições, mesmo as adquiridas por mérito e benção. Enfim, o baralho, na sua forma actual rescende passado e lições ainda válidas. ( Hoje é ainda comum, em certos circulos, enviar individuos para o baralho ). A carta, aqui de jogo, é uma mensagem de poder e submissão, a forma aleatória como cada jogador a recebe, uma garantia de igualdade perante a mesa, e um selo de destino, em que cada um se irá servir da sorte e da argúcia. E são de papel, ardem e desaparecem num lusco-fusco de oiro ganho e perdido. Mais não sei, caro Vigário, e assim me despeço. Abraço.

quarta-feira, janeiro 18, 2006  
Blogger Conceição Paulino said...

vou voltar com tempop/ ler. Mas está seguro de k otempo existe? ou só uma construção da nossa limitada percepção humana?
creio k é um continuum. Passado, presente e futuro, como nós classificamos reunificados num espaço único...bj de luz e paz e bom resto de semana :)

quinta-feira, janeiro 19, 2006  
Blogger paulo said...

Tmara:

Mesmo sendo circular, imutável, congelado no mesmo espaço, o tempo não é coisificável, ou seja, inscrito numa categoria que não seja a sua. Tempo=Tempo. Mas existe uma progressão de segundos a minutos a horas...Que são subdivisões da duração total que vai de hoje ao Big Bang. Existe duração. Está comprovada pela Física e pela Matemática. Que é elástico, claro; que é dificilmente definivel, claro; mas existe. É importante? na escala Humana, e é ainda hoje válido dizer que o Homem é a medida de todas as coisas, tem sido a preocupação primeira de gerações e gerações. Como prolongar o tempo, como domar, como comprar, como ceder e ceder perante ele. Eu acredito no Tempo. Não sei é, como te disse, se o andamos a medir correctamente. Xi.

sexta-feira, janeiro 20, 2006  

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