quarta-feira, agosto 24, 2005

Um dia após

E hoje, que já não arde perto do meu berço, uma espécie de dor, ainda cheirando a fumo, ainda recoberta a cinza, queima ainda por dentro. No esqueleto gris, no negro do chão calcinado, moram, eu sei, as faustosas sombras das futuras árvores. Este fogo não é o fim. Mas a mágoa, o medo fundo que me chegou por contágio dos medos alheios, deixou a sua marca de garra afiada, o seu odor no meu corpo. Um dia, em menino, plantei uma árvore, num 21 de Março remoto. Vou tentar plantar agora em mim uma mata pequenina, e cuidar dela, e jurar-me que jamais arderá.

11 Comments:

Blogger maria said...

Posso plantar "uma mata pequenina, e cuidar dela, e jurar-me que jamais arderá", pertinho da tua?
...
o medo fundo por contágio dos medos alheios, às vezes, assusta mais que o nosso medo sozinho. pois é...

quarta-feira, agosto 24, 2005  
Blogger paulo said...

Podes. Vamos chamar-lhe mata regional das beiras. Os rangers vestirão Hermès, desta vez com o assento correcto. Xi, frondosa!

quarta-feira, agosto 24, 2005  
Blogger Cadelinha Lésse said...

Isnif...

quarta-feira, agosto 24, 2005  
Blogger batista filho said...

Sinto muito, por todos vocês, essa dor que os consomem - literalmente!
Tuas palavras pungentes, nem por isso menos belas, tocaram meu coração. Estás certo, certíssimo de "plantar em ti uma mata pequenina, e cuidar dela...", mas não esqueças de fazer como em menino, e plantar sempre que possível, como se cada dia fosse um 21 de março longinquo, árvores outras. Um abraço fraterno.

quarta-feira, agosto 24, 2005  
Blogger Chico Muniz said...

É próprio dos portugueses essa trsiteza quase infinita. Cá, no Brasil, supomos que ela - essa melancólica ternura que se abre em poesia - deve-se à contemplação do Atlântico... mas com isso talvez se esconda, no íntimo, uma vontade de estar no além-mar, não?

quarta-feira, agosto 24, 2005  
Blogger paulo said...

Batista: não esquecerei
Espírito: Somos um país que nasceu de uma batalha de 300 anos, e quando a batalha acabou, só tinhamos mar e fome. A melâncolia, a saudade, essa vil e vã tristeza cantada por Camões e outros tantos, é uma pele, não segunda, mas primeira, visceral. Somos um povo triste, mas como dizes capaz de poesia; portanto, capaz de esperança, canções e amor. Quanto ao mar, cantava o Chico " tantas águas a nos separar, tanto mar, tanto mar" dá-me a impressão que estas trocas de palavras só podem estreitá-lo.
Um abraço para os dois.

quarta-feira, agosto 24, 2005  
Blogger Cadelinha Lésse said...

Povo triste, mas com potencial. Ora...

quarta-feira, agosto 24, 2005  
Blogger batista filho said...

Passei no sítio de Maria, onde pedi desculpas a ti, por não ter conseguido me expressar corretamente, o que volto a fazê-lo aqui, na esperança de que as aceite. Um abraço fraterno.

quarta-feira, agosto 24, 2005  
Blogger Cadelinha Lésse said...

Depois da árvore, só te faltam o filho e o livro... Ugh

quarta-feira, agosto 24, 2005  
Blogger mfc said...

Compreendo bem essa dor.
Arderam pinhais de familiares meus e sei o que isso dói.
É uma desgraça por esse país fora!

quarta-feira, agosto 24, 2005  
Blogger paulo said...

Batista: também passei no seu sítio, onde moram belíssimas poesias. Tentei comentar, duas vezes, mas a máquina trocou-me as voltas. Repito aqui, mais vírgula menos vírgula, o que lá teria deixado: "estava a ouvir Chico quando o li pela primeira vez no sítio da Maria. É o que eu chamo de coincidências cósmicas. Belo poema; belos poemas. Um abraço transantlântico."
Quanto a culpas e desculpas, é de enviar para a reciclagem, e esvaziar de imediato a mesma. Abraço faterno.

quinta-feira, agosto 25, 2005  

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