terça-feira, julho 18, 2006

Antero

E da banda de cá uma espécie de silêncio afunda-me o querer notícias da banda de lá. Nos dias em que acreditava em coisas, acreditava na permanência. Agora sei que a ausência é uma planta como outra qualquer. Se regada, cresce a flor, por vezes a fruto; se esquecida no canto do quintal, definha ao sol supremo dos dias grandes. Eventualmente morre. A beleza viva amortalhada nas coisas ainda me exalta; mas a ideia, a ideia jaz. Nos Açores, estive na Igreja onde Antero despachou a vida; a vista é linda, seria ainda mais quando ele a viu última. Calou. Sabia que era um cavaleiro andante buscando o palácio da ventura, e sabia a ara nua e seca. Volta e meia penso nele, na Igreja dele e no mar dos Açores, e tenho para mim que formei a minha vida ilha. Sem porto nem nada, só mar e nuvem. Não irei nunca procurar acelerar o fim, isso sei. Vou gostar de me encher de anos. Mas hei-de de me tornar surdo, cego e depois, havendo sorte, mudo. Uma mudez Anteriana sem o drama de ser eu a fechar o pano. E sem a sombra do Imenso Verso a pairar sobre a pequenez dos dias.

6 Comments:

Blogger Mãe said...

... ou como as ausências podem preencher de forma tão plena os textos.

quarta-feira, julho 19, 2006  
Blogger alice said...

querido paulo,

por palavras como estas é que nunca te sinto ausente

beijinho grande

alice

quarta-feira, julho 19, 2006  
Blogger Sophie said...

O silêncio é um texto fácil de ser lido errado...
"vou gostar de me encher de anos", é assim mesmo, apesar de tudo, devemos viver a vida e não ter pressa nenhuma.
O pouco é menos de metade e mesmo quando a desilusão surge e anoitece em nós contra a vontade do dia, há que continuar.
E por favor, não fique mudo, porque o Paulo sente e escreve tão bem, que as pessoas que convivem consigo certamente iriam ficar tristíssimas.
Obrigada pelo seu comentário
no meu blog.
Um beijo grande,
Sophie

quarta-feira, julho 19, 2006  
Blogger Klatuu o embuçado said...

O Antero suicidou-se num banco de jardim.

quinta-feira, julho 20, 2006  
Blogger Klatuu o embuçado said...

Em resposta ao que escreveste no meu blog:

Meu caro Paulo, os «gentis-homens» não se suicidam com caçadeiras... e Antero não entrava em igrejas e detestava padralhada!

Antero suicidou-se em Ponta Delgada, no dia 11 de Setembro de 1891, às 20 horas, com dois tiros de um revólver Lefaucheux, num banco de Jardim, junto ao muro do Convento da Esperança, no lado norte do Campo de S. Francisco. Ao som dos tiros acorreram militares do quartel de Caçadores 11. Antero estava caído de lado sobre o banco, com o rosto ensanguentado. Apesar de acudido pelo cirurgião-mor do regimento, Dr. Jacinto Júlio de Sousa e pelo médico civil, o renomado Dr. Mont'Alverne de Sequeira, morreu uma hora depois, em agonia terrível, de derramamento cerebral.

sábado, julho 22, 2006  
Blogger paulo said...

Dá-me a impressão que nunca jogou Cluedo.

segunda-feira, julho 24, 2006  

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