quarta-feira, setembro 20, 2006

Convenção Métrica

Determinar com determinação a origem da vontade será provavelmente encontrar a vontade primeira. Encontrar a vontade é pronunciar o verbo. Declinar sem sujeitos nem predicados, desajectivar até ao osso. Para além do osso. A arqueologia macabra convertida em teologia, o afundar dos olhos na podridão dos séculos. Agora devia ser o importante. Não é. Passamos vidas inteiras à procura do pretexto de sermos, quando devíamos abraçar o milagre de estarmos.

Passado presente futuro é a linha, e não recusamos nunca a linha. E o passado é sempre complexo, e o presente nunca se reduz ao hoje, e o futuro é sempre material, como se já existisse. Nós somos a prova de termos existido, e de terem existido muitos como nós. Mas nada do que faço me é ditado. Mesmo quando faço tudo o que me foi ditado, sou sujeito. Mesmo quando acordo na manhã seguinte foi por que é agora a manhã seguinte. Amanhã é uma convenção métrica, ontem uma evidência inútil.

Desaprender. Gostava de desaprender. Dar um salto de gazela sobre o meu legado e aterrar não mais há frente mas no mesmo sítio agora vazio. Ser eu o verbo mas sem megalomania. Nada criar, nada saber, nada ter. Nem sequer esta consciência do tempo. Sofremos de tempo, todos. Porque passa, porque não passa, porque passará sem nós. Velhos como tudo, cremos na transcendência como se ela nos fosse estranha. E ela é nós, nossa contemporânea, nossa alma ou espírito, ou corpo; é tudo.

Acendo um cigarro transcendente; mais uma vez recordo Pessoa, e o facto de a metafísica ser a consequência de estar mal disposto. Falta-me a disciplina filosófica, a fé cega e a esperança absurda; tenho a crença que a mudança é filha do desejo, e que a presença é por si só fundamentação do ser. Às vezes basta-me. Outras não. Hoje bastava-me que o dia se fosse como se não fosse. Amanhã? Amanhã é uma convenção métrica.

6 Comments:

Blogger Sophie said...

Mas, mantendo o que somos, podemos sonhar com o que ainda é possível sentir.

Beijos

quarta-feira, setembro 20, 2006  
Blogger hfm said...

Gostei desta convenção.

quinta-feira, setembro 21, 2006  
Blogger isabel mendes ferreira said...

mesmo????
sério????



______________________convenciono-me.


então.


beijos.

quinta-feira, setembro 21, 2006  
Blogger maria said...

É como dizes (e sim, cada vez mais verdade e cada vez me agrada mais este teu modo de estar na escrita, esta, corrida!) "às vezes basta-me. Outras não."

Esta ideia que assim juntaste, às vezes sim, outras não; é das coisas que mais me apetecia a mim ter dito, escrito, gritado ao alto.

E então?
Às vezes tudo. Outras vezes nada. e então?

Gosto disto! mas já tinha dito, não já? ok, repito!

sexta-feira, setembro 22, 2006  
Blogger maria said...

É como dizes (e sim, cada vez mais verdade e cada vez me agrada mais este teu modo de estar na escrita, esta, corrida!) "às vezes basta-me. Outras não."

Esta ideia que assim juntaste, às vezes sim, outras não; é das coisas que mais me apetecia a mim ter dito, escrito, gritado ao alto.

E então?
Às vezes tudo. Outras vezes nada. e então?

Gosto disto! mas já tinha dito, não já? ok, repito!

sexta-feira, setembro 22, 2006  
Blogger alice said...

querido paulo,

dada a eloquência do texto, a sabedoria do raciocínio e a genialidade das palavras, nada mais me resta a não ser agradecer, aprendo contigo ;)

um grande beijinho,

alice

sexta-feira, setembro 22, 2006  

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