sexta-feira, setembro 08, 2006

Play

Tenho o poema em pausa, o verso em stop, a rima em off, a alma um no disk. Tenho de nada os dias de compridas as noites; e cumpridas as dores; e tremidas as esperanças. Antes sabia a inevitável nota, vetusta e fiável a partitura, assinada datada imóvel. Agora rasguei a pauta. Resta-me o silêncio, saliente rochoso rompante. O peso do nada paira. A arquitectura da saudade ocupa sobre mim um oco que nem sequer é oco; oco requer casca, invólucro. Não tenho mais pele.

Nado peixe vermelho em redondos e cada volta nega-me a memória da outra, cada volta afirma-me que a próxima será a primeira. E num súbito rasgão entendo que é para isto que serve o vazio. E antevejo uma luz, um brilho. A minha pouca geometria salta-me aos olhos. E se ainda me movo, movo-me num plano. E o plano, ensinou-me alguém, é a base de toda a construção. E forçado a admitir que aspiro só pelo simples facto de existir, olho para trás, e afinal está lá alguma coisa.

Alicerces. Não me é dado o passo sem me ser dado o solo; não me é concedido o gesto sem o músculo, a ida sem o caminho. E o par que faço comigo quando me observo ao espelho diz-me que é par de mim tudo o que toco e que me toca simultaneamente. O tédio que anestesia os meus olhos que parece verem sempre o mesmo tédio é o tédio que teria de ver sempre novidade. O tédio sou eu. Agarro o tédio e faço barro dele, e se nada fizer desse barro terei barro. A minha imagem espelhada sou eu e o espelho. E o tempo que os meus olhos cansados levam até voltaram do espelho é o espelho e eu.

Eu o aquário a volta amnésica, o saber que sou e fui e que inevitavelmente serei a minha ausência. O saber-me ausência. A arquitectura de palavras imbricadas em tijolos de alma. E barro. E tédio. Faz-me falta a pele que tinha. Vou arranjar outra. Vou pedi-la ao espelho. Quero-me play.

2 Comments:

Blogger maria said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

segunda-feira, setembro 11, 2006  
Blogger Sophie said...

... todos os dias o tempo cresce feito areia. Lança as teias da saudade, perante um leque vasto de recordações. O homem é feito de memórias.
Um coração em sobressalto é muito mais do que uma tempestade: é um pequeno grande barco, a navegar em àguas sem horizonte... as saudades de alguém.

Um beijinho
Sophie

quarta-feira, setembro 13, 2006  

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