segunda-feira, agosto 29, 2005

Deixam-me agora os fins-de-semana de corpo cansado e alma leve. Na cabeça, uma espécie de ressaca, mas daquelas de vinho bom, que não mexem com mais nada do que com a noção da realidade circundante, que criam uma espécie de almofada aos sons, um sublinhar nas cores, um brilho extra nos brilhos reflectidos do sol.

Ando feliz, e essa felicidade parece-me chocar, embora mansamente, com os cinzentos quotidianos deste país deprimido. Ando feliz, e é quase uma comichão na consciência. Há uns meses, poucos, escrevi isto. Como ando numa de exorcismos, cá vai mais um poema triste.

No meu país deprimido
Já não doem dores profundas
Só gemem almas ausentes
Batem corações doentes

Perdidas gestas d’outrora
Já sem esperança a navegar
Afogada a velha fé
De partir para chegar

Adeus, adeus, glória escassa
De dominar meio mundo
Está vazia agora a taça
Repousamos-lhe no fundo

Olhamos d’olhos vazios
Ainda o céu azul brilhante
Cosemos de pobres fios
Uma memória inconstante

A cruz numa mão
A espada em outra
Rasgámos a comunhão
Por uma trilha sangrenta

Agora a força passada
Está ao canto envergonhada
Sonhamos na mesma língua
A morte da caminhada

6 Comments:

Blogger Rita said...

estava quase naquela de te pedir para me deixares provar esse vinho 'bom'.

bolas.

segunda-feira, agosto 29, 2005  
Blogger mfc said...

Não há nada que o saborear de um bom maduro tinto não alivie... mas o sentimento de desesperança está generalizado!
Isto é uma gaita.

segunda-feira, agosto 29, 2005  
Blogger Cadelinha Lésse said...

Os teus poemas não são tristes nem o actual estado de coisas pode afectar-te de mais. Lembra-te que a tua tristeza pode contagiar tanto, ou mais, quanto a alegria!

Um xi

Nota: será que percebi bem aquela dos fins-de-semana de corpo cansado e alma leve???

segunda-feira, agosto 29, 2005  
Blogger dulcehelenaguerreiro said...

É incrível como a felicidade amortece os choques. Devemos por isso sentirmo-nos culpados? Não o creio. Quando não estamos bem, também não queremos ver toda a gente infeliz.

terça-feira, agosto 30, 2005  
Blogger maria said...

Diziam-me, há tanto tempo já, que os fins-de-semana deviam servir para isso mesmo, "limpar a alma" (é a expressão da "nossa amiga")!
Na cabeça, essa espécie de ressaca, que cria brilhos mais luminosos e inebriantes da realidade em volta... também conheço, não há tanto tempo... Talvez por isso nem me tenha parecido tão triste assim a tua escrita...
é que, quase quase a chegar à linha final, é de sonho que falas, não do pesadelo de tudo ter sido em vão.
Como se, ainda que a caminhada tivesse chegado a lugar sem horizonte, se se sonhasse algum voo podia (quem saberia dizê-lo?!) vir a acontecer.
Escolho esta leitura. É que, a mim, foi isto que aconteceu.

[Creio, até, que sabes das asas novas que me nasceram, não?]
;)

terça-feira, agosto 30, 2005  
Blogger mar revolto said...

De comentário em comentário, de blog em blog, cheguei aqui..., percebo que o espaço é novo mas que promete.
Gosto do teu nome, muito :)

terça-feira, agosto 30, 2005  

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