terça-feira, fevereiro 14, 2006

A Última Verdade Que Permanece Erguida

Abraçado à loucura dancei, há tempos, uma dança de salão. Resta-me constante a sua mão no meu ombro, a sua promessa de ficar, de ser eu quando eu não me quisesse sadio. Hoje de entre portas felizmente cerradas chegam-me ecos dessas voltas. Sereias de exaltado, anzol libertário. Não tenciono ir, mas na história das vontades pesam mais as dóceis que as férreas. Tirano de mim, não me trará a megalomania desejos de voar entre conceitos, de ver de novo a realidade minha, o fuso das horas meu?
É boa a loucura, doce, molda-se ao desejo e cumpre-o. Pena tenho de a saber tão escassa. Se ela em voto solene dissesse: Até que a morte nos separe; eu ia. Agora assim, a prestações, parece-me usurário o juro, faca troca, pobre escolha. Domarei de mim o Palomino rei da pradaria dourado; trotarei o estreito caminho do normal.
Trago nos olhos fechados muita coisa que não vi falha-me no banco de dados tanto que sei que li. A normalidade corre como um rio à minha beira e essa distância ínfima de eu ao rio é suficiente para sentir-me seco; a beleza do Padrão, do correcto, do isto é isto e nada mais; contra a beleza do grito megalómano, do eu dizer Sou Eu e nada mais quero, de saber o coração meu igual ao mundo e transbordá-lo.
Pois, eu podia-vos falar de não ser igual, mas seria assim igual a todos os diferentes; e nas minhas laboriosas mãos podia correr as contas de um rosário de outras e diversas pedras; mas a minha vida tem sido buscar afinidades, louvar afinações. Quando finalmente fui eu que desafinei, amei o erro que me davam e ele nunca mais me largou. Sim, este desaparafusado amante de simetrias sabe-se hoje ausente dos antigos amores; e carrega uma cruz de dissonância e não sabe a língua das notas para a pôr em musica.
Um dia a minha cabeça encheu-se de vozes e não eram minhas; e uma enxurrada de compreensão do mundo e das coisas iluminou-me, como antigamente iluminava os iluminados. Como num órgão vetusto pés e mãos tocaram uma melodia estranha e os registos, e os pedais, o teclado, eram meus e eu
Depois pegaram em mim e fecharam-me e deram-me drogas e conselhos, que conceitos achavam que eu tinha. Mas já não tinha. Perdi talvez o respeito à minha sanidade, e se bem que seja só louco sazonal o poder do desvario ainda é forte em mim.
A minha inteligência por uma vez não foi suficiente; desde aí sei que nunca será suficiente
E daí, pergunto agora à única voz que ainda me resta: Consciência, porque me roubaste o inconsciente? Sanidade, porque me apresentas-te à loucura, quando sabias que eu a amaria muito mais que a ti?
E olho para as lições que me deram, e sei certo e errado, bom e mau; mas também sei que já não gosto de escolher entre degraus. A minha alma é agora uma escada barroca que sobe e desce enfeitada a nada; a minha vontade, que eu julgava lúcida, jaz traída à mercê de mim mesmo.
Amo a loucura, mas sei que não devia, mas sei que louco nem me resta a noção de dívida. Os mecanismos da loucura são os mesmos do génio, disse alguém que não recordo; no meu cérebro disfuncional, que bastas vezes acusam de inteligente, é talvez essa a última verdade que permanece erguida.




7 Comments:

Blogger isabel mendes ferreira said...

Paulo....encosta a tua dúvida à claridade....(odeio sentir-te triste...) diria, se não te zangares, que não tens "idade" para essa tristeza doída....manda-ma...eu sim...já a trago comigo como segunda pele...

please...? faz um sorriso???

vá...a tua verdade dança nas tuas palavras....Paulo....quero um sorriso JÁ.

:) beijo-te.

terça-feira, fevereiro 14, 2006  
Blogger isabel mendes ferreira said...

tá bem?

terça-feira, fevereiro 14, 2006  
Blogger paulo said...

:)

terça-feira, fevereiro 14, 2006  
Blogger Titá said...

Beijo

terça-feira, fevereiro 14, 2006  
Blogger paulo said...

Tudo normal em Queluz Ocidental

terça-feira, fevereiro 14, 2006  
Blogger Mãe said...

Foucault dizia que só há um caminho para passarmos de Homem a Homem verdadeiro: passar a fase de Homem Louco.
Não me lembro de ter explicado o que temos de perder ao abandorar este estadio intermédio para chegar ao terceiro... não sei se ainda bem ou ainda mal... sei que se se soubesse antes, poucos dariam o passo em frente.

terça-feira, fevereiro 14, 2006  
Blogger maresia said...

Amo a loucura e o Amor a prestações, é verdade, amo!

terça-feira, fevereiro 14, 2006  

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