terça-feira, setembro 26, 2006

Quatro Parágrafos

Tecer no som em tear de luz textos claros e escuros, reprimir a trama libertar a teia e pensar o fio como se tivesse fio. Partir pedra como se houvesse para lá da pedra e fazer com os bocados mais que estátuas ideias partidas de grito e náusea. Procurar a beleza como se seguir cânones e amar fossem remos do mesmo esquife, encontra-la e despreza-la por se ter feito encontrada.

Gostaria de ter sido um herói trágico, e agora a minha tragédia e não tê-lo sido. Gostaria de saber projectar a voz até me esquecer da boca da laringe da traqueia, ser pulmão som e ideia móvel, e agora a minha tragédia é ter-me esquecido a letra. As minhas mãos somam teclas e as frases acrescentam-se como se houvesse fermento nesta massa, mas não há. Só vontade de mais falar de mim como se eu tivesse assunto.

Três parágrafos três e paro como se a minha tragédia fosse alfabetável. Como se a minha tragédia fosse. As manhãs nascem iguais em bruma e cinza, mas pelo meio-dia nasce um sol. Há o mar, e vontade, e a consciência de tanta voz por ouvir. Há esperança de ver um dia maior, uma tapeçaria mais perfeita. Há sempre mais um parágrafo. E mais tempo. Há um labirinto nas minhas mãos, e eu sou incapaz de sair dele.

Quatro parágrafos, então. Sinto que nasci no meio e que não vou ver o fim. Sinto que amo o que perdi mais de quando o tinha. Sinto que já fui melhor. Sinto que já fui maior. As vezes esforço-me para sentir, e sinto muito. Outras pouco. Outras nada. Tenho nas mãos a chave do som, e não sei se gosto dele. Gosto mais do som que do sentido. Sou fútil. Gosto mais do sentido do que do som. Sou cerebral. Gosto mais de gostar do que amar. Sou trôpego. Sou eu, isso sei. Já não sei é se sei ser eu. Ou se me importa.

1 Comments:

Blogger Sophie said...

... a loucura de compreender, o bloqueio de palavras, a ânsia de dizer tudo num parágrafo, o aquiescer das noites de Outono, em fogueira de cinzas de Inverno...
... tomara que a Primavera seja uma mão de cores e que o Verão não se esqueça do mar...

Beijinhos

quinta-feira, setembro 28, 2006  

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