quinta-feira, novembro 30, 2006

Anarquia

Da minha janela ouve-se o pau de bandeira tilintar no vento cordel e aço numa musiquinha deveras irritante. A chuva catadupa-se como se não houvesse amanhã, e amanhã é sábado. A tarde decorre como se fosse necessária, a hora passa como se existisse, e a semana acaba sem nenhum truque cénico, maquinal.

Transcrevo o fim do dia pela necessidade palpável de mexer os dedos, tecla após tecla num sistema infantil. Criança juntando cubos. Mais uma vez invejo a escrita à mão, o caracter estilístico, a poesia do desenho da letra. Mas aqui o apagar não exige esforço, nem deixa mácula no brilho do texto. Mas aqui o bit e o bite casam-se em ficheiros, alfabetáveis, ordenados e fáceis.

A alma do papel almaço, o esboço no esquisso, a precisão da quadrícula, a rectidão da linha. Sebentas, cadernos, a folha solta que se solta e perde, e se acha dez anos depois entre recibos da luz. Agora tenho os versos ordenados como tropa em parada, as prosas alinhadas como urbanização pensada. Falta-me a anarquia do papel presa aos redis do punho.

2 Comments:

Blogger isabel mendes ferreira said...

"transcrevo o fim do dia..." ou o fim da manhã ou o começo da tarde para me render ao tecido macio desta escrita.



Obrigada pela "rima" Paulo.



morro. de inveja....:)))


beijo.

quinta-feira, novembro 30, 2006  
Blogger mfc said...

Volta e meia preciso exercitar a escrita com papel e caneta de verdade!

sábado, dezembro 02, 2006  

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