quarta-feira, janeiro 03, 2007

E Sonho Outra Vez

Absolutamente imerso na paisagem de ti derrete-me em glaciares vetustos a alma outrora ardente. O vento quando passa passa para onde diz a folha ainda agarrada ao ulmeiro que ainda não sabe que não é eternamente verde. Outono foi Inverno é e eu já não sei se me agarre se siga sub-reptício o vento para lá aonde foi. Eternamente imerso num oceano de dúvidas bóio entre águas de uma sede díspar. Voltar onde nunca estive será regressar a amanhã? Dá-me, ó sono, a vontade de sonhar um concreto eu, dá-me, ó sonho, um acordar distinto de ontem.

O meu par de mãos desamparado rege uma sinfónica aguda de dores pretéritas, e o som não sou eu nem ela, nem sequer é som. É um ruído de fundo, uma estática, em que eu estático mergulho em umbrais de portas ocas. E estas construções de palavra suspeitas de baptizar sentimentos são igualmente vagas, de um oceano meramente ondulado sem odor nem tinta nem sequer eu no meio da onda procurando tonas respiráveis.

Assumo a necessidade irrevogável de alguém como um homem condenado à própria sombra. Tenho dois olhos que vêem dois mundos harmónicos e belos e só uma língua para os contar. E invejo a clareza dos anjos e o planar pássaro dos justos. Como dar num mundo de ser? Serpenteia uma cobra em mim e a corrente sanguínea arrasta-me o corpo num vortex de memórias fixas. Sonho. E gosto. Na madeira da realidade a plaina do possível, o bisel da vontade.

O tempo escorre por mim como uma chuva de Maio, densa e aromática. Um chá de ervas em que nunca me deitei aquece a veia, depois a alma, e o coração descompassa e bate uma vez por ti, assim. A memória do teu gosto diz-me que ainda gosto, a sombra no teu rosto diz-me que te esqueça. E eu lembro porque não sei mais. Esfolado em pele de animal seco a um sol improvável, a substância de mim está perdida na realidade palpável. Aquele que vejo no espelho diz-se eu mas eu não lhe reconheço crédito. Um débito de mim paira à minha frente. E sonho outra vez.

1 Comments:

Blogger Sophie said...

Os olhos, esses barcos sem cais, que atravessam a chuva, temporais, com mastros quebrados na passagem de tantos cabos, não naufragam... riscam no horizonte o limite da luz, onde se escondem todas as asas de pássaros feridos, mas não vencidos!
Disfarçados de luas brancas... soltando brilho em vez de gemidos.
Ainda têm sonhos, os nossos olhos.

Um XI

quinta-feira, janeiro 04, 2007  

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