terça-feira, janeiro 09, 2007

Soluço

Estirado numa rede de palavras tecidas da fibra vegetal dos meus músculos carnívoros, estou eu pendurado em mim como um sorriso suspenso de uma árvore o que resta do gato de Alice quando Alice se acha só. Só que eu não tenho Alice que fascinar e assustar ou miar para. Só sou eu desaparecido numa autofagia de ar e nada.

Uma bota de sete léguas, quanto medirá uma légua, para ir rápido e voltar rápido e sair e voltar num pas de deux sem a graça das sapatilhas e a justeza dos collants. Ser maior querer ser maior, toda uma infância de querer ser maior e depois parar de crescer durante uma adolescência de querer ser diferente de mim e de todos e depois dar de cara com um adulto que afinal não se cresceu para ser. Se as palavras fossem um baralho de só cinquenta e duas cartas, se o único jogo fosse o burro, que faríamos todos quando descobrisse-mos os jockers?

Deixar de fumar tem sido fácil para os cigarros que trago no bolso, o último maço que ainda abri e que continua por fumar todo. Estão felizes, não sabem da inquisição do esqueiro, da vala comum do cinzeiro. Eu, pastilhado e acalmado, vou aguentando e cada hora que passa é mais uma hora que passa. Mas o meu nariz revoltou-se e chuta-me cheiros fortes e estranhos, e as minhas mãos ocupam-se a criar volteares novos para esconder que já não tem parceiros.

Empenhados em construir o Homem Novo, muitos julgaram descartável o Homem Velho. Empenhados em defender o Homem Velho, muitos julgaram descartável a mudança. Na minha terra, a ponte que não leva a lado nenhum está agora sempre cheia de gente. Vão, cruzam o Mondego, voltam. Como um periscópio que quebra a superfície de um mar novo, esta ponte. Como uma mirada para o futuro, um soluço nas águas.